FLOR DO MARACUJÁ

Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.


  Da visão e de olhares....

 

ARQUIVOS


Dizem há muito tempo que "o pior cego é aquele que não quer ver". Colocando a visão assim, além dos meros sentidos, os humanos com miopia, presbiopia, hipermetropia e limitações do gênero poderiam acreditar que ainda podem ter uma visão quase que perfeita. Mas, essa visão interior, de 360º ou mais, que dependeria de uma vontade além do pessoal é algo para muito poucos. Querer ver a realidade como ela é, de fato, não é fácil.

 Por isso na vida comum, corrente e moderna tem mais gente que prefere mesmo não ver, e assim não se compromete muito com a realidade que clama diante dos olhos. A anestesia, a alienação e a ausência de conectividade contribuem para um determinado nível de cegueira ou de olhar estrábico da realidade.

Vamos assim, através dos tempos, das eras, condicionando o nosso olhar, pari passu com as tecnologias que buscam as melhores lentes, as melhores cirurgias, as melhores adaptações para a vista dos humanos. O olhar de ontem, não é o mesmo de hoje, ainda que pensemos assim. Os olhares mudam. Pensando nisso me veio uma Croniblogg. Verifiquem!

Olhar de Soslaio

Viver com um olhar antigo não é tão comum, ou seria um olhar do futuro? Bem, do presente é que já não era. As pessoas se acostumaram a olhar de frente. Esqueceram as laterais, as diagonais, os côncavos e os convexos, as distâncias relativas, os eixos. Ver assim e dar conta do ambiente que a cercava em um átimo a deixava em um círculo. Qual o problema? Ver demais é pecado? É infração? Não. O ser humano é redondo, assim como a terra, de quem somos crias. Ver redondo é natural, é simplíssimo como a natureza. Assim via e observava...tudo.

Seu pai, com o peso dos anos e vista curta, sabendo da sua visão aguçada dizia: Olhe aquele pé de acerola, você vê alguma acerola lá no olho dela? Ela respondia: tem uma no olho, outra no galho mais embaixo, outra do outro lado...E antes que ela terminasse de localizar as frutinhas ele exclamava: Êta, vista de águia!

Na literatura, em Machado de Assis, tanto em sua fase romântica, como na realista descobriu a expressão "olhar de soslaio". O olhar de soslaio era um olhar romântico, para enamorados, que entrou na fase realista observando todo o sofrimento dos romances amargados nessa fase da literatura. Mas, para ela o olhar de soslaio se aplicava a tudo, pois a vista era redonda.

Como tudo na natureza finda e se transforma, aos 40 anos teve um ritual de passagem: a perda ainda pequena, mas incômoda, de sua vista de águia. O médico vaticinou: é vista cansada. Não se preocupe que isso acontece com a maioria das pessoas, isso é uma coisa natural. Natural, pois sim. No dia do batizado, da primeira comunhão e da confirmação cristã falaram o contrário. O ser humano é filho de deus, feito à sua imagem e semelhança, só os animais é que são naturais, selvagens, e os seres humanos que não são batizados também são naturais e pagãos. Então, o ser humano batizado deveria ser perfeito.

Agora sabia na prática o que já desconfiara há muito tempo, o ser humano era imperfeito e  natureza, que finda para se transformar. O ser humano é um finado permanente que quer ser eterno. O pior cego, já diziam, é aquele que não quer ver. Teve que usar as lentes para ler. Em suas muitas leituras agora tinha companhia: as cangalhas da meia idade.

Não demorou muito e a vista foi piorando. Os médicos disseram não mais de uma vez, e em todas as vezes ela fez questão de esquecer: vista cansada já está marcada desde o nascimento, está no DNA, ninguém escapa. Percebia que perdera sua garantia, assim como o eletrodoméstico que não mais funcionava, para usar uma imagem do sistema. E para se sentir como natureza se comparava com uma árvore que começa a secar alguns galhos ou deixa de produzir todos os frutos, porque já tem bastante tempo de existência. Perguntou a seus botões: por que não colocam isso no álbum do batizado? Para a gente aprender de criança que a vista não é eterna e que nós somos natureza, que finda para se transformar?

 E finalmente alguém disse: você já está na época de usar lentes para os três níveis, mas não se preocupe porque agora existem as lentes progressivas, onde você pode ver os três níveis num só par de óculos e com conforto. Bendisse, então, essa mania do ser humano de querer ser eterno e de inventar tecnologias para fazer continuar o que a natureza criou, mas que não pode mais se responsabilizar depois de passado seu ciclo. Ora, se isso era problema da natureza!

O uso da lente progressiva não podia mais esperar. Começou a usar. Era das melhores da praça. Ver em três níveis no começo requer adaptação, mas a pessoa acostuma, diziam. Acostumou. Mas só uma questão foi uma perda irreparável: enquanto estava de óculos não podia olhar de soslaio. Seu olhar lateral, cheio, rápido, panorâmico e romântico foi sacrificado. Havia o que uns denominavam refração, outros chamaram depois de dispersão cromática.

Teve que aprender a olhar para a frente. No início se sentia como um animal que vai para o açougue, que vai ser sacrificado e lhe tiram o máximo de visão e a visão lateral. Na verdade era um sacrifício do olhar circular, natural e natureza. Passou vários anos assim, resignando-se com a natureza finda e a pouca capacidade humana de eternizar a natureza.

Mudando de grau chegou outra informação: na praça havia lentes novas. Com nova tecnologia, mais avançada. Resolveu experimentar. Os óculos demoraram um pouquinho. Diziam não ter o tamanho certo para essa tecnologia. Tinham que fazer fora, na fábrica. Ficou preocupada.

Chegando os óculos, enquanto os colocava no rosto foi ficando estupefata, quase não acreditava. Os olhos que todos dizem ser a janela da alma, não eram mais uma janela comum. Tornaram-se duas bay windows, vendo o mundo de forma panorâmica. A visão larga enquanto olhava a sala mostrou que seu olhar de soslaio, lateral, romântico e natural fora recuperado.

Mais uma lição aprendida: a tecnologia pode ser circular, redonda, como a terra  e o ser humano que é sua cria. A tecnologia quando não esnoba dos ritmos e ciclos próprios da natureza pode dar ao ser humano, que é natureza e findo, uma dimensão de sua eternidade natural.

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 Essa croniblogg vai para minhas primeiras lentes  de tecnologia circular, de saudosa memória. Passei uns bons tempos felizes, com elas, olhando para todos os lados e de soslaio, mas precisei trocar de grau. Na loja especializada comentei quão maravilhosas eram minhas lentes, e que só as estava substituindo por causa da mudança de grau. Aproveitaram e ficaram com elas, não me devolveram, trocaram por outras que não consegui mais usar.

As lentes novas encomendadas, apesar de  serem da mesma marca e tipo das antigas, vieram completamente diferentes, e não consegui mais nem um pouco de conforto. Na ótica disseram que o problema era o grau, no médico disseram que o problema era da ótica. Criou-se uma Torre de Babel entre médicos e óticos e continuei igual, sem conseguir usar as lentes. Mudei de médicos, mudei de óticas, mas de vista não consegui. Estou há mais de sete meses sem  lentes multifocais e sem solução.

A natureza não muda, finda e transforma-se somente, ela segue nos seus ciclos. Na natureza só os seres humanos mudam em suas tecnologias e em seus motivos. Uns são capazes de gerar uma tecnologia mais próxima da vida, outros são capazes de estragá-la. A vida segue. Talvez, quem sabe, a tecnologia e a natureza  ainda possam me providenciar uma visão melhor e mais ampla.

 . Jóia

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