Desde
que nascemos, inseridos em uma dada cultura, sociedade, família, vamos
nos situando e desenvolvendo nossas potencialidades. Vamos nos tornando
adultos com as carapaças próprias da cultura e crendo que sabemos
exatamente qual o nosso papel, ou papéis, ou o que nos cabe "nesse
latifúndio" de nossas vidas e naquilo que podemos chamar de persona.
Como já
disseram muitos alguéns temos muitas faces e muitas gentes em nós
mesmos, mas temos também muitas máscaras. Saber o que nos cabe nessa
vida e que parte ocupamos e fazemos, em grande parte das vezes está mais
relacionado às máscaras do que àquilo que somos verdadeiramente.
Nas
sociedades modernas e atuais as pessoas são compelidas a se prepararem
para realizar atividades que lhe dêem dinheiro, status, sucesso... E a
acreditarem que "estão em sua praia" porque durante toda a vida se
prepararam para aquilo. Muitas vezes utilizando um jargão próprio,
maneirismos próprios da especialidade que abraçam e como não podia
deixar de ser uma visão e percepção limitadas pelos parâmetros em
que se enquadram, para viver bem, ter dinheiro, ter status, ter sucesso
e responder ao que os outros esperam delas.
A
cultura faz isso. Somos criados para responder às necessidades da
cultura e para ocupar um lugar nela, e na coletividade. E nessa atuação
é diluído o nosso projeto individual de pessoa, e o nosso projeto
cósmico, muitas vezes não percebido ou não conhecido. Ter uma missão na
vida é coisa para missionários poder-se-ia dizer hoje, ou ainda
"ter como missão" significa qualquer atividade na capa de algum site
de empresa na internet. Saber a parte de cada um, entretanto, o que
o faz um fio na grande teia da vida significa se descobrir
profundamente. Significa escavar, às vezes dolorosamente, através das
grossas máscaras. Significa perder as referências, se perder para se
achar nesse grande projeto da vida.
Poucas
pessoas estão dispostas a isso. O preço quase sempre é alto. Mas,
algumas
pessoas não têm muitas escolhas, são levadas pelos turbilhões da vida,
pelos seus daimons, a buscar o verdadeiro significado de
suas vidas e acabam se constituindo em pedras, alicerces e bases
para a transformação dessa cultura. Outras são pontes. De fato, todas
elas são elos, necessários ao desenvolvimento e transformação da
cultura.
Independente disso, desse plano individual e transcultural ser
percebido e vivenciado, todos carregam essa possibilidade, de aqui e ali
tornar-se elo, ponte, dar a mão a outra mão que lhe solicita e
vislumbrar que uma ação sua, e às vezes somente uma ação sua, pode
ajudar alguém ou uma coletividade. Negar-se a isso é, muitas vezes,
negar-se a si mesmo. Mas, fazer sua parte, aquela parte que ninguém mais
pode fazer, na maioria das vezes exige coragem, para deixar de lado
muitos desses objetivos ou máscaras docemente acalentados pela cultura.
Deixar de lado o seu perfil certinho, reconhecido e esperado. Infringir
regras que no "frigir dos ovos" quando consultado o fundo do coração
não são regras mesmo suas e respondem basicamente à vaidade, ao orgulho,
e ao senso do lugar ou posição que ocupa, do status.
É
...são todas questões individuais, mas que nos colocam no mesmo plano,
de humanos realizando suas próprias trajetórias de vida. Quando conseguimos
vislumbrar a parte que nos cabe, nos diversos momentos da vida, e não
fugimos dela, por covardia, medo e comodismos, estamos realizando
profundamente a nossa vida, mesmo que às vezes ela pareça " tão pequena
para tanto amor".
Escrevi
tudo isso pensando em Jorge Terena, líder indígena que eu não conheci e
que faleceu recentemente. Melhor dizendo, não o conheci pessoalmente,
pois sua trajetória de ações dedicadas à causa indígena ajudando a
formar alicerces para o que hoje é o movimento indígena e sua expressão
política o tornam uma dessas pessoas conhecidas e reconhecidas, que em
meio ao turbilhão da vida e de difíceis escolhas foi capaz de descobrir
seu projeto individual e de fazer tão bem a sua parte.
Pensando nele, em sua trajetória, e também nas pessoas que estão
tentando fazer sua parte, às vezes difícil parte, vem do fundo de
minha alma mestiça e romântica uma estrofe da Canção dos Tamoios, de
Gonçalves Dias:
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.