Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.


Guacamole de Ano Novo e Olhos de Lince

Guacomole de Ano Novo por Verônica M.Mapurunga de Miranda

Fiz sim, um "guacamole mejicano" na entrada do Ano Novo. Mas confesso que não sabia, nem adivinhava, o seu poder onírico  e imagético. E aqui pra nós, tudo por causa da pimenta (veja na foto). Já sabia que elas tinham bom astral. Agora, excitar a imaginação...Essa foi nova. Pois bem, fiz e provei do guacamole, e ele, ou as pimentas (lhes advirto, leitores, desses riscos) me levaram a outro tempo. Tenho a impressão de que era no século passado. Também não foi viagem tão longe. Século passado ainda está bem ali. E acabei encontrando um jornal que trazia uma pequena crônica interessante. Fiquei me perguntando se isso era algo normal, viajar assim no tempo. Eu, uma historiadora, tinha que ter os pés no chão, não acham?

Por isso fui atrás da história e dos seus métodos que são antigos, diga-se de passagem a bem da verdade. A história acompanha o ser humano. Bravo! Mais surpresos ainda vocês podem ficar, caros leitores, ao saber que esse era um dos métodos preferidos de Michelet, grande e antigo historiador de todos os tempos. Usar a imaginação e viajar no tempo era não somente um método para ele, mas algo indispensável para o historiador se aproximar da verdade. Sobre isso, pra não dizerem que minto, consultem Edmund Wilson, em Rumo à Estação Finlândia. Mas se Edmund Wilson é um pensador e pode dizer isso sobre Michelet, eu também penso e digo mais. Michelet falava de viagem no tempo porque ele não conhecia o poder completo das pimentas, nem o que faziam com a imaginação nossos ancestrais autóctones americanos, que através da imaginação viajavam não somente no tempo, mas também no espaço.

Decerto que se ele tivesse tido a oportunidade de conhecer essa realidade, sua  teoria e os seus métodos de história seriam mais completos.Também é certo, que para fazer isso nossos ancestrais não dependiam simplesmente de plantas, como  a pimenta, mas tinham que ter linhagem. E, foi aí que me encontrei com meus problemas reais. Sendo mestiça, sem linhagem, filha dessa mistura confusa de raças, não dava para fazer uma viagem completa. Vocês devem estar rindo e dizendo assim: enlouqueceu de vez! Está bem, podem pensar. Mas eu não enlouqueci, não. Fiz a mesma coisa que vocês,  pessoas mestiças e centradas como eu, fariam nessa situação. Fui me basear em Michelet, que era historiador, e que tinha métodos, apesar de revolucionários para a ciência atual,  mais próximos do meu conhecimento fragmentado, herdado da tradição ocidental. E, de vez em quando, comia uma pimentinha ou uma porção de guacamole, aos poucos, sem exagero. Pois o resultado foi a tal historinha do século passado. Bom, lá vai ela, chamada de Olhos de Lince.

Ele chegou do nada. Do nada não, era bem real, com pés, mãos e braços, e tudo. Feito. Querendo mostrar que já era conhecido, que já tinha sido apresentado, e que já estava em confiança. Sei. Parecido não é o mesmo que igual. Pois tinha o formato das unhas diferentes. As mãos e o movimento delas também. Movimentos mais doces e um tom mais escuro de pele. Maior volume de corpo também. O sorriso mais cheio e mais carnudo nos lábios. Bonachão. Que no entanto discrepava, quando dava algumas respostas em  tom mais duro e resoluto. Não, não podia ser a mesma pessoa. Tinha um olhar diferente, de ansiosa busca e quase admiração diante daquele momento: queria mesmo conhecê-la ao vivo. Dizia frases antigas, tentando reeditar o tempo, que por ser passado poderia tornar-se uma caricatura.Todos os riscos por aquele momento! De repente, em um relance, quem sabe um insight, percebeu o absurdo de tudo aquilo, e percebeu também aquilo que mais lhe doeu: o sorriso aberto de cumplicidade e receptividade não era para ele, mas devia ser para a outra pessoa. Pareceu-lhe que ele mesmo nem foi notado. Que diferença fazia agora se ele existia, ou se era apenas um espectro, aquela farsa, aquela máscara, correndo atrás do tempo perdido ?

Água, um gole de água, quando suas forças quase murchavam diante da verdade solitária. Aborreceu-se por carregar aquela carga. Por que a realidade límpida e transparente não poderia ser outra? Estava de novo no passado. Perdera o instante e o presente rico de oportunidades. Já se indo fez algo para não se arrepender, e condizente com sua farsa: lançou um olhar vulgar sobre o traseiro dela, como a dizer - eu gosto mesmo de traseiros mais avantajados, não perdi muita coisa. Perdeu, sim. A oportunidade de um abraço terno, de uma simples, mas sincera amizade. Com isso nem a farsa, nem a vulgaridade teriam ocupado esse lugar. E a carga da mentira, que incomoda, teria dado lugar para uma límpida  e aliviada transparência. Assim se fazem os sentimentos duradouros, o resto é farsa.

Saiu rápido e voando, com sua pasta preta, crente que tinha enganado a todos. Mas há sempre uns olhos de lince capazes de ver além dos enganos das meras aparências.

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Quem quiser pode falar mal das pimentas, mas foi graças a elas e ao consagrado método histórico de Michelet que consegui resgatar essa historinha do século passado.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

Dia Comum (15)  

janeiro de 2007

  

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