Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.

 

   

ÁRVORE DE NATAL II

   

 

 

   


Não podia trazer a árvore (Pé de Monguba) da praça para casa. Nem há, ou pelo menos não conheço Bonsai de Monguba. Pensei: E agora? Sem árvore de natal em casa. Já tinha pensado no Bonsai, mas cerejeira, que é o que tem por aqui, não dá. Apesar de bela ficaria muito deslocada na nossa realidade, em pleno Natal. Veio então uma imagem de pimentinhas. Talvez porque nesta época tenha muitas em algumas floriculturas, ou então, porque é a vez e a hora das pimentas. Senti curiosidade sobre as pimentas, pois apesar de belas nunca costumei incluí-las muito nas minhas refeições. E quando o fiz as preferi doces às picantes.

Possivelmente um erro de minha parte, depois que descobri seus potenciais de ancestralidade tão necessários a nós brasileiros e latino-americanos nos dias atuais. Pois não existe nada mais próprio do nosso continente do que pimentas, nativas daqui e levadas para o resto do mundo pelos colonizadores. A partir da empresa colonial os europeus não somente colonizaram e pilharam o continente americano, mas passaram também a arder com mais freqüência. Pelo visto ficaram até viciados, haja vista a quantidade de pratos e iguarias com pimentas no mundo todo. Entretanto, os melhores e mais originais pratos são os feitos nas Américas. Mas a questão em relação às pimentas não para por aí,  é mais séria e mais profunda. Pois além de excelente comida, para os que a apreciam, têm sido desde tempos imemoriais utilizadas em cerimônias e rituais religiosos em várias culturas, dentre elas as indígenas e africanas. Segundo muitas fontes, inclusive a original, e nas palavras do explorador Alexander Humboldt (1814),  “as pimentas eram tão necessariamente indispensáveis para os nativos quanto o sal para os brancos.”

E isso me chamou a atenção porque o sal, além de ser consumido pelos brancos (leia-se ocidentais) é também utilizado em cerimônias religiosas cristãs, como o batismo. Já a pimenta  de jeito nenhum. Fiquei pensando: será que é mesmo a hora e a vez da pimenta? Procurei informação sobre  a pimenta em rituais religiosos, e encontrei, surpresa, além de muitas outras cerimônias indígenas, uma cerimônia yorubá equivalente ao batismo cristão. Os Yorubás são um dos mais importantes grupos étnicos da Nigéria, que lançaram suas raízes culturais e religiosas no Brasil.  A cerimônia yorubá, do nascimento e apresentação da criança para a comunidade é uma cerimônia  muito bonita e na qual se usa o sal e a pimenta. Vejamos um trecho de parte desse ritual:

"Tudo começa quando um jarro de água é jogado sobre o telhado, de forma que o recém nascido é seguro de baixo e recebe no corpo a água que cairá de volta. Se o filho se manifesta gritando é considerado de bom sinal, isto indica que ele veio para ficar. A água é o primeiro dos muitos itens cerimoniais, seu uso reflete a importância do filho para a família. Após o filho ser borrifado com água o ancião sussurra o nome do recém nascido em seu ouvido; e molha seu dedo na água e toca a fronte do bebê, e anuncia o nome escolhido em voz alta para que todos ouçam. São colocadas as vasilhas contendo os ingredientes necessários para continuação da formalidade; cada ingrediente tendo um significado especial. A primeira vasilha consiste em pimenta vermelha da qual o ancião dá uma prova ao pequeno filho. A pimenta simboliza que o bebê será resoluto e terá comando acima das forças da natureza. A pimenta então é distribuída para o gosto da assembléia inteira; depois da pimenta o recém nascido experimenta água, significando a pureza de corpo e espírito, que o deixará livre das doenças; logo o ancião oferece sal ao bebê, que simboliza a sabedoria, a inteligência; deseja-se que nunca lhe falte o sal, mas que sua vida não seja salgada, que ele tenha felicidade e doçura na vida, que tenha uma vida sem amargura; depois é oferecido óleo de palma (epô) que é tocado com os dedos nos lábios do bebê, num desejo de potência e saúde. O filho então saboreia mel, e o ancião pede que ele seja tão doce quanto mel, para a família e para a comunidade, que tenha felicidade. Depois é oferecido vinho, para que o filho tenha fartura e prosperidade na vida; e finalmente o bebê recebe uma prova de noz de kola, simbolizando o desejo para boa fortuna do filho." (Citação do site Xangosol - veja mais in http://www.xangosol.com/diversos.htm -Sublinhados meus).

Sem querer comparar, nem fazer juízo de valor, nem descaracterizar nenhum rito ou religião, lembrei-me de que nasci em uma cultura onde a criança divina a nascer a cada ano e nos trazer a renovação de um novo ciclo seria o Menino Jesus. A construção do presépio, ou "lapinha", como chamávamos até bem pouco tempo por cá, sempre foi uma tradição indiscutível. Quem não curtiu e não vivenciou de criança, em casa ou na escola a confecção e montagem da "lapinha" ? A criança divina que chega a cada ano, como uma tradição ocidental e cristã. Hoje, em nosso país e nos vários lugares das Américas, há outra criança divina a nascer, querendo ser também apresentada. Ela vem surgida da própria natureza e dos ritos, das culturas e religiões a ela ligadas. Como diria Alexander Humboldt se vivo fosse, "no Brasil e nas Américas chegou a hora de usar o sal e a pimenta."  Como nos ritos Yorubás e em todos os outros indígenas, que ainda desconhecemos, uma criança precisa ser apresentada à comunidade. Esta uma criança especial, divina, carregada e trazida pelos espíritos e deuses da natureza, e que faz parte de uma tradição nossa muito profunda.

Ciente disso, e sem seguir necessariamente nenhuma religião e sem querer descaracterizar as existentes, incorporei a pimenta à minha árvore de natal doméstica. E apesar das pimentas picantes serem ainda um pouco fortes para meu paladar e organismo, introduzi as pimentas na minha ceia familiar, com pimentas suaves e doces: Pimentas Cambuci recheadas. Já é um passo. Para mim a pimenta já foi incluída, e sinto muito fortemente que outra criança divina, a da natureza, está sendo alçada às vistas de todos para sua apresentação.Você já experimentou dessa pimenta ou dessa tradição?

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

Dia Comum (29)

dezembro de 2006    

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