Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.

 

Flores chamadas Beijos - Para Mortos e  Vivos, em uma cosmovisão diferente.

 

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 No dia de finados pensamos em outra perspectiva da morte. Aquela que nos inicia. Em outras culturas e cosmovisões  a morte não tem o caráter maléfico e triste de nossa cultura ocidental e cristã. É necessário resgatarmos as forças da vida-morte-vida como parte de nossa própria natureza, como componente básico e necessário da natureza instintiva. Como nos fala Clarissa Pinkola Estés¹ :

"Em vez de considerar os arquétipos da morte e da vida como opostos, devemos encará-los juntos como o lado esquerdo e o direito de um único pensamento(...)

"Se acreditarmos que a força da vida-morte-vida não tem mais nenhum papel depois da morte, não é de estranhar que alguns seres humanos tenham pavor do compromisso. Eles têm um medo horrível de passar por um final que seja. Não conseguem suportar a idéia de passar da varanda para os aposentos do interior da casa. Têm medo porque pressentem que lá na copa da casa do amor está sentada A Morte, batendo com o dedo do pé no chão, dobrando e redobrando suas luvas. Diante dela está uma lista de tarefas: de um lado, os que estão vivendo; do outro, os que estão morrendo. Ela pretende terminar seu trabalho. Está determinada a manter um equilíbrio."

"O arquétipo da força da vida-morte-vida é extremamente mal compreendido em muitas culturas modernas. Algumas não entendem mais que A Morte é carinhosa e que a vida se renovará com seu auxílio. Em muitos folclores ela recebe uma atenção sensacionalista: diz-se que carrega uma grande foice para "ceifar" a vida dos que nada suspeitam, que beija suas vítimas e deixa cadáveres espalhados por onde passa, ou que ela os afoga e fica uivando noite adentro."

"Em outras culturas, porém, como na do leste da India e na cultura maia, que têm maior cuidado com o ensino sobre a roda da vida e da morte, A Morte  abraça os que já  estão morrendo, abrandando sua dor e proporcionando alívio. Diz-se que ela vira o bebê no útero para a posição de cabeça para baixo a fim de que ele possa nascer. Diz-se que ela guia as mãos da parteira, que abre o caminho para o leite nos seios maternos e que ainda consola quem quer que esteja chorando sozinho. Em vez de criticá-la, quem a conhece em seu ciclo completo respeita sua generosidade e suas lições."

"Em termos arquetípicos, a natureza da vida-morte-vida é um componente básico da natureza instintiva. Esse componente aparece em todas as mitologias  no folclore do mundo como Dama del Muerte, A Morte; Coatlique: Hel; Berchta; Ku'an Yin; Baba Yaga; a Dama de Branco; a Misericordiosa Beladona; e como um grupo de mulheres chamadas pelos gregos de Graeae, as Damas Cinzentas. Desde a Banshee, em sua carruagem feita de nuvens da noite, até La Llorona, a mulher que chora junto ao rio, desde o anjo sombrio que afaga os seres humanos com a ponta de uma asa, fazendo com que caiam em êxtase, até o fogo-fátuo que aparece quando uma morte é iminente, as histórias estão repletas de remanescentes de antigas encarnações da deusa da vida-morte-vida."

"Grande parte do nosso conhecimento da natureza da vida-morte-vida é contaminado pelo nosso medo da morte. Portanto, nossa capacidade para acompanhar os ciclos da natureza da vida-morte-vida é muito frágil. Essas forças não "fazem" nada a nós. Elas não são ladrões que nos roubam aquilo que prezamos. (...)

"Não, não, as forças da vida-morte-vida fazem parte  da nossa própria natureza, como uma autoridade interna que sabe os passos, que conhece a dança da vida e da morte. Ela é composta  pelas partes de nós mesmas que sabem quando algo pode nascer e quando ele deve morrer. Trata-se de um mestre profundo, se ao menos aprendermos seu ritmo. Rosario Castellanos, poeta e mística mexicana, escreve acerca da entrega "às forças" que governam a vida e a morte:

....dadme la muerte que me falta...

...dá-me a morte que eu preciso...

"Os poetas compreendem que não há nada de valor sem a morte. Sem a morte, não há lições; sem a morte não há o fundo escuro contra o qual o diamante cintila."

Em outras palavras, aprendendo a morrer as mortes necessárias, aprendemos a viver.

Uma canção de Violeta Parra  Rin del Angelito trata da morte de crianças no sul do Chile, os "anjinhos", crianças enterradas vestidas como anjos, e que traz uma pespectiva da morte diferente, alegre, com uma dimensão de eternidade e de comunhão com as forças instintivas da natureza.

 

 

§Letras Bailarinas-13.08.2007

§O que é bom está guardado ou o Segredo da Vida-06.08.2007
§Tudo o que vai, volta...Lei de Causa e Efeito, Bumerangue ou Deus é Grande! -23.06.2007
§Pra não dizer que não falei de flores no inverno -16.04.2007
.Os Diamantes são Eternos -18.03.2007
.Aprender -01.02.2007
.Guacamole de Ano Novo ...-15.01.2007
.Árvore de Natal II -29.11.2006
.Minha Árvore de Natal...- 17.11.2006
.Porque Cantar é preciso...-21.11.2006
.Mulher Quente?-21.10.2006
.O Amor Tudo Pode-20.10.2006
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Através de meu canto a Capela, Rin del Angelito.      

Clique e ouça

¹ Estés, Clarissa Pinkola - Mulheres que Correm com os Lobos - Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem. Ed. Rocco, 11ª edição, Rio de Janeiro, 1997. Pags.172-73.

 

 


 
Verônica Mapurunga de Miranda      

P.S. Conheci essa florzinha maravilhosa com o nome de "beijo" desde criança. No final dos anos 70 e início dos 80, do século passado foi lançada uma coleção pelo IDAC e Brasiliense de autoria de Rosiska Darci de Oliveira, Mariska Ribeiro e Miguel Paiva inspirados nessa florzinha, que no Rio de Janeiro se chama Maria-Sem-Vergonha. A coleção "Maria Sem-Vergonha de ser mulher" inscrita em uma literatura que buscava o resgate do feminino, e que todas as mulheres partes da luta feminista da época adquiriram e fizeram eco, é apresentada assim por Rosiska Darci de Oliveira¹.

"Maria Sem-vergonha é o nome que se dá no Rio de Janeiro a essa florzinha selvagem que nasce na beira das estradas. Talvez em outros estados tenha outro nome. Mas todo mundo conhece essa moita colorida que aparece onde ninguém plantou."

"O nome Sem-Vergonha vem de que ela dá na beira da estrada e tem assim um duplo sentido, uma insinuação sexual, a do verbo "dar" na nossa gíria.Vivendo na beira da estrada, sem pudor, dá na beira da estrada. Daí seu nome de Sem-Vergonha."

"É o mesmo que está acontecendo com as mulheres que decidiram mudar suas vidas de "eternas dentro-de-casa".Sobre elas paira uma suspeita de sem-vergonhice. Porque a mulher "honesta", a que se acha "direita", tem vergonha. Tem vergonha de ser mulher, embora nunca se tenha sabido muito bem por quê. Esconde o corpo, esconde as coisas do corpo, esconde os desejos, se pensa esconde e só pode sentir o que lhe é permitido. O resto esconde. Se é feliz ou infeliz, ninguém está ligando, o importante é que seja direita, que tenha vergonha, que tenha recato e conheça o seu lugar."

"E se de repente, perdendo o recato, as mulheres começassem a dizer o que pensam, o que sentem, o que querem da vida? E dizê-lo não só em diários escondidos no fundo do armário ou no ouvido da melhor amiga, mas pública e desavergonhadamente?"

"Nasce aqui a coleção Maria-Sem-Vergonha de ser mulher.Dirigida a quem interessar possa, mulheres e homens de qualquer idade. Razão de ser, ir quebrando o silêncio sobre o feminino e refazendo a coragem de ser mulher."

Rosiska Darcy de Oliveira."

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De lá para cá muita água rolou sob a ponte e as mulheres ganharam muito espaço, mas o feminino profundo em nossa cultura continua ainda necessitando ser resgatado, para homens e mulheres.

Essa florzinha é inspiradora. Eu a conheci como "beijo". E como elas estavam por toda parte, brotando selvagens, vibrantes e coloridas, eu sempre as associei à beijos da natureza. A natureza nos beija permanentemente quando não a negamos.

Verônica Maria  Mapurunga de Miranda

 

     
¹Oliveira, Rosiska Darcy, Ribeiro, Mariska e Paiva, Miguel - Mulher Sexo no Feminino-IDAC-Ed.Brasiliense-São Paulo, s/d.      
       

Dia Comum (02) 

novembro de 2007

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