Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.


Porque homem é homem, mulher é mulher,

  criança é criança, macaco é macaco,

 

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  e jaguatirica é jaguatirica...


Parece-me que foi Paracelso que disse: enlouquecer não é nenhuma arte, mas extrair a sabedoria da loucura, eis a arte. Da mesma forma o antropólogo Clifford Geertz fala sobre a importância do senso comum. O senso comum tido por outros cientistas sociais como algo coletivo, repetitivo, serial, igual, da turba, é, para ele, um locus de riqueza, criatividade, imaginação e quiçá de sabedoria.

Evidentemente que para tirar arte da loucura é necessário conviver com o inconsciente e não ser engolido por ele, saber e ter condições de dele se diferenciar ou com ele aprender a conviver. Da mesma forma, penetrar no coletivo, no inconsciente coletivo, viver uma participação mística (participation mystique) com esse coletivo ou essa cultura para retirar deles suas preciosidades e não ser engolido pela avalanche de arquétipos e fazer somente a caricatura do que é esse coletivo, é difícil. A ostra nasce do lodo e traz uma pérola, mas quantas pessoas poderiam fazer um trabalho de ostra, sem se enlamear, e trazer uma pérola que é um dos maiores tesouros escondidos de nós.

Pensa-se, assim, que  poucas pessoas de bom senso recomendariam a alguém se envolver em tarefas tão difíceis.  Mas, de fato, e em estudos realizados por Jung, na psicologia do inconsciente, ele diz algo que já é compartilhado por muitos estudiosos do assunto hoje. Aqueles que pensam ter retirado o inconsciente pessoal ou coletivo de suas vidas, ou que o teriam neutralizado sob uma fachada de equilíbrio, e do uso sem concessões da razão, podem estar se enganando permanentemente, e por isso correm o risco permanente de não terem consciência de suas projeções, seja do seu próprio inconsciente, seja do inconsciente coletivo.

Sem levar em conta todas as estruturas de pensamento "forjadas" nas diversas eras históricas e que se refletem como ideologias, o distanciamento do ser humano de sua própria natureza, deixando de lado os "afetos" próprios da natureza inconsciente,  alienando-se de seus instintos, torna-o muitas vezes um estranho à si mesmo. Carrega dentro dele "um homem primitivo", do qual não tem consciência e com o qual não pode ter  nenhum tipo de diálogo ou comunicação. Estes afetos e instintos considerados perigosos pelos seguidores intrépidos da razão, não obstante os seus esforços, escapam-lhes permanentemente ou transformam-se em seus verdadeiros inimigos e dos que estão ao seu redor.

Há estudiosos, dentre eles Jung, que chamam esses aspectos de sombra, lembrando que todos nós mortais os possuímos e principalmente os modernos ocidentais, pela polarização da consciência e a supressão  e "esquecimento" da natureza, que é considerada tão perigosa pelo iluminismo e pelo cristianismo. Considerada uma Caixa de Pandora, onde convivem riquezas inumeráveis e perigos indescritíveis, a sombra é também coletiva. E já se sabe hoje, que tudo aquilo tão duramente reprimido durante séculos de iluminismo e de cristianismo e que é parte da natureza já está voltando a nos cobrar. Não há, infelizmente, como resolver essas questões somente pelo intelecto. A vivência e resolução de "afetos", lato senso, não se realiza intelectualmente, a não ser em uma etapa mais depurada e integrada.

Muitos dos que já passaram pelo conhecimento de suas "verdades amargas", dos seus demônios e anjos, que têm deixado seus testemunhos, e inclusive suas teorias, e que conseguiram se diferenciar e transcender as fissuras entre os mundos, pelo menos em parte, sabem que não podem resolver, nem orientar completamente, a loucura geral da população, porque essa é uma loucura atualmente massificada e rapidamente generalizada.

Os reclamos dos seguidores da ecologia profunda, nos chama atenção para os diversos níveis da ecologia, e situa como um dos primeiros níveis a se conquistar - o nível da ecologia interior. Sem querer entrar na análise dessa questão, eu chamaria a atenção para um dos aspectos que a ecologia interior anuncia que é o  conhecimento da própria natureza de cada um.

Nomeando isso de autoconhecimento, digo que não é algo fácil de se fazer, principalmente, para a grande maioria da coletividade. O ritmo alucinante da vida das pessoas, os valores que movem a sociedade e a cultura de massa atual, a mola mestra da sociedade que é o dinheiro  e o lucro - como alguém me disse uma vez, constatando isso como uma realidade indiscutível e sobre a qual tudo tem que realmente girar - dificultam enormemente essa ecologia interior. Daí que nós temos uma grande quantidade de pessoas hoje vivendo a ecologia interior somente no rótulo, como mais uma "mania atual", ou um simulacro como diria Baudrillard.

Seria necessário muitas crises individuais, que de certa forma já existem, ou desestruturações materiais e psicológicas, para os que conseguirem sobreviver trazerem a boa nova da verdadeira ecologia interior. Atenção, não estou dizendo que isso não é possível individualmente, estou falando que é difícil se viver isso no nível da coletividade.

Mas, uma grande crise econômica está chegando, e a grande crise dos valores já começou, os eflúvios da sombra reprimida, com várias mediações já se fazem sentir na sociedade mais forte do que nunca. E o grande problema que pode ocorrer nesses casos e tem ocorrido em muitas conjunturas de crises, na história, é a falta de parâmetros e de se manter a cordura no nível coletivo.

A falta de diferenciação, de não saber por um lado o que se é realmente, quais os valores que nos pautam, e não saber por outro lado, quais os desejos, os sonhos e objetivos comuns que nos unem como coletividade, são os problemas que podem se estabelecer em grandes crises. De fato, a crise já começou e tende a se aprofundar.

  Porque homem é homem, mulher é mulher, criança é criança, macaco é macaco,  e jaguatirica é jaguatirica... é necessário que se faça a diferenciação. Todos em um mesmo espaço, mas necessitando de diferenciação. Que se dê o verdadeiro nome aos bois na crise da cultura, do estado e do capitalismo no Brasil, não esquecendo de que estamos entrando todos em outro terreno: América.

Mais reflexões sobre o tema na próxima.

§ O Resgate do  Feminino IV ou  O Sol Níger, o Fogo Criativo - 9.8.2008

§ O Resgate do Feminino III ou  Deixar Ir -12.07.2008
§ O Resgate do Feminino II ou No País dos Sonhos -05.05.2008
§ O Resgate do Feminino ou Todo Dia é Dia -09.03.2008
§Aos Caminhantes -28.01.2008
§Árvore de Natal Encantada -30.12. 2007
§ A Parte de Cada Um -15.11.2007
§ Flores chamadas Beijos - Para Mortos e  Vivos, em uma cosmovisão diferente -02.11.2007
§Letras Bailarinas-13.08.2007
§O que é bom está guardado ou o Segredo da Vida-06.08.2007
§Tudo o que vai, volta...Lei de Causa e Efeito, Bumerangue ou Deus é Grande! -23.06.2007
§Pra não dizer que não falei de flores no inverno -16.04.2007
.Os Diamantes são Eternos -18.03.2007
.Aprender -01.02.2007
.Guacamole de Ano Novo ...-15.01.2007
.Árvore de Natal II -29.11.2006
.Minha Árvore de Natal...- 17.11.2006
.Porque Cantar é preciso...-21.11.2006
.Mulher Quente?-21.10.2006
.O Amor Tudo Pode-20.10.2006

 

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

 

 

 

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