Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.


  O RESGATE DO FEMININO OU TODO DIA É DIA

 

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Já se vão os dias,  perdendo-se na poeira do tempo, em que o 8 de março - dia internacional da mulher - era um dia  de denúncia, de reflexão sobre a situação da mulher na sociedade, no mercado de trabalho, sobre a violência  e desigualdade entre os sexos. As características da sociedade em que vivemos mudaram em quatro a cinco décadas de feminismo. A discussão feminista mudou também: a situação da mulher na sociedade e cultura não é mais vista dissociada da questão masculina e dos questionamentos pertinentes à família, sua estruturação e organização na cultura em crise e transformação. No âmbito acadêmico e político evita-se o tema feminista que foi substituído pelas questões de gênero. E onde o debate se faz como questão feminista  houve bastante mudanças e até evoluiu, mas convenhamos que isso ocorreu em um âmbito restrito.

Como vivemos em sociedade de massa, assistimos a assimilação do dia internacional da mulher pelo sistema  e pela cultura patriarcal. O 8 de Março tornou-se um dia de comércio, de se comprar presentes para homenagear a mulher, que no seu dia pode receber uma flor e nos outros dias, quem sabe, pode continuar sendo espancada. Como "eu ando devagar porque já tive pressa" prefiro escrever sobre essa questão depois que o dia passou. Pois creio que todo dia é dia. E creio também que a questão principal não é essa, o buraco é mais embaixo. Quando for estabelecido conjuntamente com o dia da mulher, o dia do homem, teremos um dia mais equilibrado, ou quem sabe um dia que sirva para confrontos e encontros.

Como disse,  quem acompanha hoje a discussão feminista sabe que o machismo, palavra e conceito que adquiriu conotações tão pejorativas não é exclusividade masculina. Ele se faz como ideologia e está tanto na cabeça de homens como na cabeça de mulheres, e perpassa as muitas instituições de nossa cultura patriarcal.  A compreensão disso se deve à própria crise, busca e transformação de muitas mulheres que pagaram e pagam o preço de se situarem como sujeitos de suas próprias vidas  e histórias. Óbviamente que hoje isso  não significa tão somente ter independência econômica, ou trabalhar fora de casa, ou ter um marido que lava os pratos. Como algumas mulheres dizem: "Ele me ajuda em casa". O ganho  da crise, dos questionamentos, das vivências, das perdas foi o autoconhecimento e o conhecimento da cultura, para se buscar o que interessa profundamente às mulheres tanto individualmente, como em coletividade.

Hoje as mulheres que fizeram e fazem esse percurso estão mais preocupadas com sua integridade pessoal, sua qualidade de vida, em entender os processos de transformação da cultura e as questões essenciais que pautam a vida da sociedade em que vivem. Ser sujeito é ser pessoa. É estabelecer a devida correlação entre autonomia e dependência com os outros e a cultura. É ir profundamente às suas raízes, seu corpo e sua alma, que não precisam ser negados enquanto lutam e vivem o cotidiano com suas contradições.

Uma das questões fundamentais para todos aqueles e aquelas  que se aprofundam nesse tema é a emergência do feminino  ou a sua necessidade, na sociedade e cultura patriarcal. O feminino não é uma coisa de mulheres, e ainda que muitos e muitas pensem assim não se refere somente a uma divisão social de trabalho, nem a papel sexual. O feminino é uma qualidade, que com o masculino pode proporcionar o equilíbrio, a integridade, o doce e maravilhoso encontro entre pessoas e sexos, maior horizontalidade, e que está em falta na cultura patriarcal, tanto para homens como para mulheres.

É verificável para olhos atentos, como mulheres que durante as últimas décadas adquiriram novo status de vida econômica e social e assumiram a ideologia reinante da "igualdade sexual", sem questionamentos, tornaram-se em grande parte competitivas, belicosas e agressivas. Reconheço - sou mulher, e há muito tempo vivo e acompanho o movimento feminista - que a luta da mulher pela integridade  e vida digna na sociedade patriarcal não é fácil, e é mesmo estafante. E a criação de máscaras de agressividade pode ser explicada pelas tentativas de manutenção e defesa da mulher nesse mundo tão patriarcal e competitivo. E toda vez que as mulheres são colocadas em foco, e via de regra são muito colocadas em foco e cobradas, surgem muitas exigências. De fato, para uma mulher viver na sociedade patriarcal em que vivemos, ser sujeito e manter o equilíbrio é preciso ser um pouco mulher maravilha, ou mulher heróica.

Gostaria, portanto, de relativizar minhas observações, dizendo que  o outro lado da moeda, ou seja, o masculino ou essa qualidade dos homens é um pouco mais triste no que se refere à integridade pessoal, ainda que muitos se dêem por satisfeitos. Dito pelos próprios homens em observação, e que eu consultei, aqui vão algumas dessas tristes qualidades: egocentrismo, autoritarismo, onipotência, sentimentalidade, dependência emocional, incapacidade de estar só, além, é claro, da competitividade e agressividade exacerbadas.

Se falo do feminino é porque faz falta na cultura como um todo,  e por isso além dos graves desequilíbrios para todos, as mulheres são também muito afetadas. A sociedade e cultura que não consegue desenvolver e conviver com a alteridade uniformiza e tenta homogeneizar tudo. Não aceita as diferenças e estabelece padrões que muitas vezes são muito daninhos para a integridade das pessoas. A ausência e negação do feminino na sociedade e cultura é um deles.

Já ouvi alguém dizer que assumir o lado masculino é se tornar competitivo, agressivo, belicoso, qualidades que caracterizam um certo perfil de pessoa buscado para enfrentar a sociedade dos homens, em que vivemos. É lamentável que esse perfil ainda seja buscado. E é mais lamentável ainda que tudo isso tenha se juntado a outras características mal desenvolvidas das mulheres em nossa cultura, que as tornaram muito mais manipuladoras e com um poder distorcido. Que as faz muitas vezes, por essa distorção, atacarem literalmente outras mulheres, de forma mais agressiva do que os próprios homens. O não reconhecimento e aceitação do feminino na cultura patriarcal coloca prováveis expressões dessa qualidade como algo negativo e distorcido, porque inconsciente e nas sombras.

Certa de que o equilíbrio necessário é  a reconquista do masculino capaz de conviver com o feminino que está emergindo das sombras em que a cultura patriarcal o colocou, e do feminino capaz de integrar um masculino transformado, porque o protótipo adorado como um deus ou totem pela sociedade patriarcal não serve, pressinto que este é um tema cada vez mais palpitante em nossas paragens americanas, onde as mulheres estão chegando ao mando de países  e poderão ter uma ação mais efetiva na política, e, portanto, no âmbito da vida pública.

A oportunidade do feminino e de formas mais horizontais emergirem e se desenvolverem em nossas sociedades e culturas americanas é muito mais importante do que qualquer flor ou homenagem a mulher no dia 8 de março. Pode significar o desabrochar de muitas flores para todos os dias do ano.

Hasta lo femenino siempre!

§Aos Caminhantes -28.01.2008

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.Minha Árvore de Natal...- 17.11.2006
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Verônica Maria Mapurunga de Miranda

 

 

Dia Comum (9) 

março de 2008

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