Já não quero saber de reflexos, nem de espelhos. Ali onde tudo parece igual ou único busco mais a inspiração.


Alvoradas e Mañanitas para a Lei Maria da
Penha: que ela viva muitos anos e sua constitucionalidade seja garantida!  

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Quando criança e adolescente ouvia as alvoradas. A banda ou músicos de minha cidade natal   iam tocar  ao amanhecer para cumprimentar alguém por seu aniversário. Há menos tempo atrás conheci Las Mañanitas, que é uma canção tradicional  do México e outros países de nossa América que como as alvoradas também servem para  cumprimentar os aniversariantes.

 Os cumprimentos feitos tradicionalmente em forma de serenatas, com mariachis, e letras que vão sendo desdobradas de acordo com os autores e ocasião, se inserem no denominado Corrido Mexicano, um ritmo e uma estética muito própria, popular, e herdada também da tradição espanhola, que foi utilizada na revolução mexicana.

Atualmente las mañanitas são cantadas em cumprimentos de aniversário e como parabéns antes de partir o bolo de aniversário. De forma diferente são também cantadas em outros países da América Latina. Assim é a letra tradicional das Mañanitas, que sempre sofre acréscimos de versos, de acordo com a ocasião e preferência de quem as canta:

Estas son las mañanitas, que cantaba el Rey David.  Hoy por ser día de tu santo, te las cantamos a ti.

Despierta mi bien despierta  mira que ya amaneció. Ya los pajarillos cantan.  La luna ya se metió .

Que linda está la mañana en que vengo a saludarte.  Venimos todos con gusto y placer a felicitarte.  

Ya viene amaneciendo.  Ya la luz del día nos dio.  Levántate de mañana.  Mira que ya amaneció.  

Alvoradas e mañanitas  para a Lei Maria da Penha que hoje está completando 3 anos de existência e precisa ser celebrada. Sancionada pelo presidente Lula em 07 de agosto de 2006 é considerada até agora a lei mais eficaz e promissora no combate a violência à mulher. A violência doméstica considerada por muitas pessoas como assunto de casal em que ninguém pode "meter a colher", a partir da Lei Maria da Penha deixa de ser trivializada  e é assumida como um crime de violência que deve ser punido, com detenção e prisão de até 3 anos.

Desde que foi sancionada a lei, aumentou o número de ações penais, de processos em tramitação, prisões em flagrante, etc, de mulheres vítimas de violência doméstica. Isso não significa dizer que houve aumento da violência, mas que as mulheres mais confiantes na cobertura da lei, que pune de fato a violência, passaram a denunciar e a impetrar ações judiciais contra os agressores.

Em vários países da América Latina iniciaram-se movimentos mais consistentes contra a violência doméstica à mulher, espelhados na lei Maria da Penha, conquista das mulheres brasileiras em um governo que deu acolhida às lutas das mulheres brasileiras.

 Essa lei importante e conquista da população brasileira que luta contra a violência e por uma cultura de paz, está sendo questionada no Congresso Nacional, que pretende voltar atrás, com um projeto de lei para deixar que os assuntos de violência doméstica se resolvam com negociações de casais, em tribunais de negociações, tornando a Lei Maria da Penha, de fato, inócua. 

 É nesses momentos cruciais que devemos refletir sobre o que significa lutar contra a violência para construir uma cultura de paz. Falar sobre violência e cultura de paz virou clichê e lugar comum, e corre-se o risco dessa bandeira se esvaziar no seu sentido, se ficarmos somente em passeatas levantando cartazes e não tomamos atitudes na vida concreta, diante dos fatos, das estruturas sociais, políticas e culturais que engendram essas sociedades violentas.

Andamos em busca de parâmetros para essa cultura de paz, pois nas sociedades onde grassa uma grande e brutal desigualdade social e tem como uma das características centrais o autoritarismo e a ausência de espaço público real, grande parte das pessoas não incorporou ainda o direito que tem como cidadão e pessoa humana.

Lembro agora um texto que li, sobre o encontro do teólogo Leonardo Boff e Dalai Lama   em um rápido diálogo no intervalo de uma mesa redonda entre religiões e a paz para os povos, e que me levou a refletir sobre o tema. Espero que também lhes sirva.

No intervalo ele perguntou:

- ‘Santidade, qual é a melhor religião?’

Esperando ele que o Dalai Lama pudesse puxar a sardinha para a brasa das religiões orientais, ouviu a seguinte resposta:

‘A melhor religião é a que mais te aproxima de Deus. É aquela que te faz melhor.’

E Leonardo Boff ainda perplexo com a sabedoria da resposta continuou a perguntar:

- ‘O que me faz melhor?’

E ele respondeu:

- ‘Aquilo que te faz mais compassivo  aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável…

A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião…’ *

Da mesma forma que Leonardo Boff, segundo o que ele informou, eu também fiquei ruminando toda essa sabedoria. E continuei pensando que no mundo atual, em que muitos convergem na busca de um "espaço sagrado", de um eixo, da vivência de uma interioridade profunda que possa se externar com melhores frutos para si, para coletividades e para uma nova humanidade, essa é uma sabedoria a ser observada e perseguida.

Ruminei também que essa sabedoria pode ser perfeitamente colocada em termos de cultura e sociedade. A cultura e sociedade que nos tornam mais compassivos, mais sensíveis, mais desapegados, mais amorosos, mais humanitários, mais responsáveis...E acabo concluindo, como muitas pessoas podem fazer, que não vivemos em uma sociedade e cultura capaz disso. Apesar de haver um substrato rico, e todas as virtualidades, que tornam a própria cultura e sociedade capazes de carregar todas as possibilidades,  muito resta ainda a fazer.

Uma das questões ainda não suficientemente entendida enquanto humanidade são os princípios masculino e feminino, parte de nós e parte da vida. E toda essa maravilhosa sabedoria apresentada pelo Dalai Lama supõe a harmonia entre esses dois princípios. A harmonia e integração dos dois princípios que são necessárias em nível individual, são necessárias também no nível da cultura.

 Quando um juiz diz que não vai dar uma sentença contra uma violência à mulher, porque isso é  um direito  do homem desde Adão e Eva, porque vivemos em uma ordem masculina, percebe-se a ignorância e barbaridade a que chegou uma sociedade e cultura.

 Não há vantagem nenhuma em ter uma ordem somente masculina, principalmente se ela é violenta. A ordem masculina que deixa o feminino de lado e todas as qualidades que tornam as pessoas compassivas, sensíveis, receptivas é uma ordem que convoca a todos para uma permanente guerra e para a violência. 

Para aqueles que continuam achando que isso é possível, saibam que nada pode ser criado e gerado se não há os dois princípios em ação: feminino e masculino. A ordem dita masculina mesmo que quisesse não poderia existir sem o feminino, e a ordem que tenta subjugar ou manter o feminino alijado torna-se perversa. Eis um dos fundamentos da violência da cultura e de nossa sociedade.

 Apesar de determinados juízes e políticos não saberem disso, é bom começarem a se informar, pois a força feminina nos substratos de nossa cultura é enorme, e por isso mesmo talvez exista essa reação ou uma grande resistência de um masculino que não quer se integrar, defendendo a violência à mulher, provavelmente por medo. A cultura do medo não leva a nada construtivo, somente a mais violência, à arrogância e à prepotência. A grande criatividade na cultura brasileira dá mostras disso. Temos um feminino exuberante que quer cada vez mais se manifestar e vai buscar fazê-lo.

Ser compassivo,  que expressa a qualidade desse feminino, significa ter amor e paixão pelo outro, e portanto não ter medo, mas também significa reconhecer a fragilidade, carência e  vulnerabilidade que o outro carrega, porque também carregamos nossa própria vulnerabilidade e carência. Em outras palavras, não conseguimos amar o outro se não amamos a nós mesmos como ser que somos em nossa integridade, e não conseguimos entender o outro  e ser compassivo, se não reconhecemos nossa própria fragilidade e carência humana.

Em uma sociedade e cultura onde não há espaço para se desenvolver o amor e para acolher a carência, a vulnerabilidade e a fragilidade humana, vicejará sempre o poder da força física, bélica, poder econômico e político e dos saberes e conhecimentos a eles ligados. As pessoas e grupos sociais minoritários ou alijados do poder político-cultural e econômico que não contam com uma proteção do Estado lato senso e da sociedade para garantir sua integridade como ser humano terão que se armar, com unhas e dentes e armas mais modernas, para se defender.  E aí teremos guerra e não paz.

Nas culturas e sociedades em que vivemos onde esses princípios não são acalentados, onde as estruturas político-culturais estão feitas para uma "ordem que se quer somente masculina"  e onde não foram criadas regras ou uma regulamentação protetora e eficaz, a violência contra mulheres, crianças, idosos e grupos culturais não hegemônicos será sempre uma constante. Não pode existir cultura de paz com uma "ordem somente masculina".

Não adianta, portanto, apelar em um tribunal de negociação para uma reconciliação de uma vítima com um agressor, que ademais não se considera violento porque a cultura e sociedade lato senso, através das leis que as regem, não consideram a sua violência um crime contra o ser humano ou contra a mulher, porque não há regulamentação eficaz em relação a isso.

É necessário que muitas das violências hoje perpetradas contra o ser humano sejam primeiramente concebidas como crimes, e que se dê mostras de que existe um preço a pagar, para que possam ser entendidas finalmente como violência, e para que seja possível o reconhecimento desses erros.

Tudo o que fazemos na vida tem um preço. Quando alguém sofre uma violência grande e a violência não é reconhecida como um erro que tem que ser pago por alguém que o cometeu, o preço do erro recai cruelmente sobre a própria vítima. Em outras palavras, se há violência e não há punição, há uma presunção de que a pessoa mereceu a violência que sofreu.

E no caso da violência sobre as mulheres, que são justificadas através de formas absurdas, a mulher é tratada como um ser humano indigno, que pode apanhar e sofrer violências porque o marido, namorado ou outro homem qualquer tem direito de lhe causar violências, assim como os escravos, que não eram considerados nem gente e nem dignos de compaixão humana porque estavam sob um poder irrefutável.

Esse raciocínio e comparação pode ser chocante, mas ele é o raciocínio que expressa as barbaridades cometidas. É só buscar as justificativas dos homens agressores e dos juízes que os defendem e ver como cabem nesse raciocínio. Nesse  raciocínio as mulheres que sofrem violências são indignas como seres humanos, por não terem direito à sua integridade física e psicológica e por não terem direito à compaixão humana e da lei. Maria da Penha que deu o nome à lei é uma mulher valorosa por ter lutado sem tréguas para reconquistar sua dignidade como pessoa humana, quando sua integridade física já tinha sido quebrada.

Se queremos ter uma cultura de paz, precisamos entender os mecanismos da cultura e sociedade que perpetram violências. Uma legislação que não reconheça a violência à mulher nos termos aqui colocados torna-se cúmplice da violência.

Por isso a Lei Maria da Penha merece alvoradas e mañanitas, por reconhecer as violências à mulher como um crime e por trabalhar  em favor de uma cultura de paz. Os índices da reincidência da violência nos casos tratados pela Lei Maria da Penha caíram abrumadoramente.

 Quando o feminino precisa se expressar e mostrar a sua horizontalidade e qualidades necessárias à cultura e vive cerceado pela violência toda a cultura sofre. A lei Maria da Penha precisa ser mantida com os propósitos para os quais foi criada. É hora de lutar e não deixar a peteca cair.

Despierta mi bien despierta  mira que ya amaneció! 

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*Fonte: http://www.gper.com.br

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Há uma petição on line em defesa da Lei Maria da Penha, vá lá e assine. Participe!

Vamos divulgar o link em blogs, orkut, etc.
Online petition - Em defesa da Lei Maria da Penha!            

  http://gopetition.com/online/28830.html

http://www.articulacaodemulheres.org.br

www. leimariadapenha.com

www.mariadapenha.org.br


Verônica Maria Mapurunga de Miranda

Dia Comum (7) 

agosto de 2009

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