Vivemos um momento
político e de vida no planeta, da recomposição da economia e da
reconfiguração política dos povos e das nações. A dificuldade de perceber
que no sistema capitalista em que vivemos o ser humano não é o sujeito,
mas o sujeito é o próprio capital, leva grande parte das pessoas a
embarcar na idéia de que a sociedade é complexa porque os sistemas
econômicos o são e há sempre a idéia de que é necessário o equilíbrio no
funcionamento do sistema econômico para não entrar nas famosas crises. A
idéia é que a crise afeta a vida de todas as pessoas. Esquecemos de
pensar de outra forma, que o equilíbrio do sistema capitalista já é a
crise na vida das pessoas porque quanto mais ele se concentra e se
equilibra em seu movimento mais ele traz desigualdades, mortes, fomes,
desertificação, etc. Como uma boca esfomeada que muitos não vêem, ele
vai acumulando e sugando a vida das pessoas, das classes sociais
trabalhadoras e de regiões inteiras que se desfazem e as populações têm
que migrar.
E é por isso que o reclamo dos trabalhadores e até do Papa Francisco
atualmente é de que é necessário dar centralidade ao ser humano nas
ações políticas dos Estados e das novas regiões econômico-políticas. E
isso significa dizer que @s president@s de nossas “repúblicas” quando se
reportam sempre à “competitividade” e ao “crescimento econômico” estão
de certa forma sendo apenas um joguete do Capital que é o sujeito das
histórias que esses mandatários querem construir. Queremos ser sujeitos
de nossas histórias e por isso a política é importante, para não sermos
títeres de um sistema econômico que decide nossos destinos. Mas fazer
política não é simplesmente fazer parte de um sistema de representação.
Hoje, mais do que nunca, é necessário ter consciência de que temos a
possibilidade de sermos autônomos, buscando as necessidades de afirmação
dos povos, das nações, das culturas, dos gêneros, buscando as pontes, a
integração que reconheça a legitimidade da existência das diferenças.
Para reconhecer a legitimidade da existência das diferenças é
necessário, entretanto, sermos maiores. É necessário crescer e sair da
fragmentação. É necessário saber que somos portadores de todas as
diferenças e que temos de ter centralidade para lidar com todas elas. É
necessário ser capaz de fazer pontes e criar o espaço do diálogo. Mas há
um problema sério, causado no sistema das desigualdades. Muitas pessoas
no contexto pessoal, psicossocial e político acabam representando e se
relacionando com aquilo que têm de pior, ou o que deixou esquecido - o
opressor/opressora internos.
É assim que o político que se diz de esquerda e contra a opressão
comporta-se como um futuro coronel e suas ações são competitivas,
individualistas e egocêntricas. É assim que o que sofre de racismo
torna-se também um racista, ao contrário, sem conseguir integrar e
superar o ressentimento em um processo construtivo. É assim que o
operário e o trabalhador rural sonham se tornar empresário ou fazendeiro
e em casos extremos o trabalhador torna-se “capanga” capaz de fazer
exigências maiores e sujar as mãos pelo próprio patrão ou patroa. É
assim também que organizações sociais passam a atuar como se fossem
órgãos do Estado, esquecendo que muitas ações do Estado são opressoras
com os cidadãos e cidadãs.
É assim que a mulher que não cuida do seu masculino e odeia essa
qualidade em si e também aos homens, se odeia também, pois o masculino
ou animus não transformado na mulher torna-se seu principal opressor
interno que a faz se considerar uma pessoa incapaz e menor e se
extroverte para atacar também as outras mulheres e tratá-las de forma
abusiva. Não existe machismo pior do que o machismo de mulheres que não
conseguem integrar seu próprio masculino e têm um opressor interno que
as desvalorizam e atua como seu verdadeiro inimigo. Todas as mulheres
que odeiam o sexo oposto infelizmente correm esse risco. Não é possível
estar integrada e inteira negando o masculino que carrega. Esquecer que
se tem um lado masculino que necessita de atenção e que precisa se
tornar criativo para ser amigo, cúmplice e ponte para a mulher em suas
ações na sociedade e na cultura é dormir todo dia com o inimigo. É hora
de dizer: Acorda bela adormecida! Não desperdice suas potencialidades,
liberte-se do opressor interno para viver inteira e livre. É necessário,
pois, curar as feridas internas.
O objetivo do ser humano nesse século é a integração. E se falo dos
oprimidos e dos possíveis opressores internos que carregam é porque são
eles, os oprimidos ou que assim se consideram que podem transformar a
sociedade e cultura autoritária e desigual em uma sociedade mais livre.
Mas enquanto os oprimidos carregarem o opressor interno eles não são
capazes de compor e somar entre eles, apenas se dividirão. Se eu falo
também das mulheres com veemência é porque certamente carregaremos a
tocha de muitas mudanças. Tornamo-nos múltiplas, com maior ductilidade
diante das exigências, com maior resiliência diante de muitos embates,
mas também com muitas feridas e fraturas expostas. A centralidade exige
cura, para que as cicatrizes sejam verdadeiramente troféus. “Dar a volta
por cima” significa romper com os grilhões que existem internamente e se
tornar mais inteiras. O primeiro espaço de diálogo que nos torna mais
inteir@s para as ações sociais e políticas é o espaço interno. Lidando
com nossas diferenças internas fica mais fácil lidar com as diferenças
externas.
Curar o opressor interno, em outras palavras transformá-lo, não é apenas
uma ação pessoal, mas uma ação política para este e o próximo século.
Dar centralidade ao ser humano no debate da economia e política é uma
guinada de 360º. E por isso temos que estar atentos nas formações e
ações dos movimentos sociais, das mulheres, dos povos, das várias
culturas, para que não se transformem em guetos e percam a perspectiva
interna e externa do outro ou outros, e de que somos seres humanos
políticos em mudança. |