Uma vez, quando trabalhava na periferia de Fortaleza, em uma reunião onde se falava dos menores abandonados uma senhora disse: Os menores abandonados são filhos dos maiores abandonados. Essa era uma realidade aceita e discutida sobre as políticas sociais, pessoas sem condições socioeconômicas de criar os filhos. Hoje tem ficado mais clara, e fazendo parte das estatísticas, a quantidade de assassinatos no seio de famílias, de mulheres e crianças em famílias não vulneráveis economicamente. São famílias doentes, com membros na família com nível de educação razoável, em alguns casos formados e habilitados para cuidar de outras pessoas, mas que maltratam e matam aqueles que não têm como se proteger.
Antes que essas crianças ou mulheres ou membros da família sejam assassinados, eles são maltratados. Algumas vezes por muito tempo.
Costumamos perceber as mortes que saem nos noticiários, mas não os maltratos. Se esses fossem percebidos a tempo, e se as pessoas doentes, nas famílias, fossem percebidas naquilo que elas são e o seu potencial de crueldade e maldade, que na maioria das vezes estão velados para outras pessoas, não aconteceriam tantos desastres.
A família doente, suas maldades ou crueldades cotidianas com partes dos seus membros, tem que ser denunciada e tratada. E este é um vasto campo de trabalho para quem quer trabalhar com a sociedade e a cultura. Grande parte do mal e violência que se estende hoje nas sociedades, bebe e se nutre de uma violência familiar e da má formação das famílias.
Existe um pressuposto básico de deficiência que é o sentir. Quem maltrata os outros já não sente, pelo menos é incapaz de sentir verdadeiramente o outro. Pode fazer teatro com sentimentalismos, mas de fato, não sente. Acha muito natural qualquer tipo de maltrato, principalmente se for maltrato de outros e com outros.
A sociedade, as pessoas ficam estarrecidas com as mortes cruéis, porque vivendo e convivendo todos com grossas máscaras (para não sentir) não podem saber o potencial de crueldade que elas mesmas e outros carregam. Quando nos dispomos a "sentir" temos que sentir tudo o que somos e os outros também, e em geral as pessoas acham isso muito doloroso. Preferem não fazê-lo.
Vivendo em época de integração da função sentimento, nós humanos temos que enfrentar isso. Quando alguém morre, como essa criança que está nos jornais, assassinada pelo pai, madrasta e uma amiga assistente social, precisamos parar e refletir em tudo o que poderia ter sido feito pelas pessoas antes de ocorrer o mal maior.
Essa é uma tentativa de reflexão sobre fatos violentos que ocorrem já de forma rotineira e que daqui a pouco estarão sendo completamente banalizados. Essa violência não está necessariamente lá fora ou em outra família, ela pode estar na sua família, e até em profissionais respeitáveis que cuidam de sua família e você não está percebendo, ou de outra forma não acredita nunca em quem está sendo
maltratado.
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P.S - Sentir nos outros e em nós aquilo que parece o mal, não significa dizer que fazemos o mal, significa que temos consciência de que somos luz e sombra e carregamos todas essas possibilidades. Fazer de conta que o mal não existe é conviver com uma ingenuidade que não nos leva à inocência.
Ao
entrarmos em
contato ou
reconhecermos
essas
energias
distorcidas
podemos
transformá-las.