Ninguém é dono de ninguém. As relações se criam, os vínculos também. Quando não os cultivamos eles se acabam. Quando é necessário rompê-los e não o fazemos eles podem se perpetuar de forma nefasta. As famílias se criam com amor, ou infelizmente com desamor. E isso repercute nas pessoas que as formam ou seus membros. Quando as relações de casal, por exemplo, se acabam as pessoas que enfrentam a separação de uma forma sadia sabem que houve ruptura de vínculos e a vida continua. As pessoas que passam mais de 30 anos querendo retornar a um tipo de vínculo que não mais existe é infantil em algum lugar de si mesmo, de sua psique. Aceitar as rupturas faz parte do amadurecimento das pessoas. As pessoas que amadurecem não reclamam vínculos passados que não mais existem, mas constroem outros vínculos sadios. Encarar o presente e não viver no passado é sempre vivificador. Pessoas que amadurecem e vivem o presente não usam as pessoas que um dia amaram para conseguir outros objetivos e não as expõem inutilmente. Não investem na doença e na parte fraca da personalidade de outras pessoas para retornar aos seus problemas não resolvidos. Não expõem e nem maltratam sua própria família e a família de outros.
A família que ama é fraternal. Ela protege, ajuda, não expõe. Ela se relaciona de uma forma horizontal, não precisa de ninguém que dela se adone para decidir o que fazer ou não seus membros adultos. A família que precisa de uma ou de lideranças tirânicas para decidir tudo pelas pessoas da família é uma família doente e disfuncional. (Há uma extensa literatura sobre isso). As pessoas adultas e maduras têm sua própria vida e sua dinâmica e seus problemas, o que é muito natural. Pessoas sem amor, ou família conturbada por questões emocionais ou de afeto tratam da família como se fosse uma questão política, ou se fosse uma cidade para administrar e dizer o que deve fazer ou não fazer os seus membros. Não é necessário dizer que daí surge lideranças nefastas em muitos níveis, não somente na família.
A doença da falta de amor tem cura, mas enquanto isso não acontece, porque muitas pessoas e famílias não querem enfrentar suas próprias sombras e seus próprios nós, muitos de seus membros preferem projetar seus problemas nos outros e procurar bodes expiatórios.
Só o amor cuida e cura verdadeiramente. Essa foi a mensagem de mestre Jesus, que morreu para trazer essa mensagem: a da morte e ressurreição. Estamos na semana santa onde Páscoa na cabeça das pessoas não deveria significar morte, mas libertação, ressurreição. Infelizmente, muitas pessoas ainda preferem ver simplesmente Jesus Cristo sendo crucificado, açoitado. Se aproveitássemos para ver o real significado das liturgias e rituais cristãos dessa época religiosa talvez a espiritualidade de muitas pessoas que se dizem cristãs deixasse de ser tão infantil. E o ódio que as consomem se transformasse em amor verdadeiro, por si mesmas e pelos outros.
A páscoa liberta. Aproveitemos para morrer no desamor, no ódio, aproveitemos para crucificar nossos egos desmedidos e açoitar os desejos de fazer maldade. Aproveitemos para morrer em tudo aquilo que não nos serve e aos outros e não constrói. E ressuscitemos para o amor verdadeiro!
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa, 1931.