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  A Pracinha

Espaços da Cidade e do Coração

 

Volto ao passado de minha infância. Não para ficar lá, mas para trazer sentimentos idos, visões antigas deixadas de lado, que ainda podem ser vigentes e necessárias para recuperar e reintegrar um lugar da cidade e da cidadania. E por que não de nós mesmos, viçosenses que se identificam com a cidade e seus muitos lugares. O que eu quero, e espero que outros viçosenses também o queiram, não é ficar no passado, mas viver o presente de uma forma mais integrada, mais alegre e mais feliz em uma cidade que nos ajude também a conseguir isso.

Falo da pracinha Antônio Honório, em Viçosa do Ceará, que nos idos de 90 do século passado foi bruscamente retirada dos moradores daquela área da cidade e dos muitos viçosenses que costumavam vê-la, caminhar por ela, passar por ela, desfrutá-la e ter seu passeio recompensado pelo que era aquele recanto da cidade.

Ela era um lugar de passagem entre a casa de meus pais e o centro da cidade. Quando íamos ao centro e passávamos pelo lado direito da pracinha, desfrutávamos a vista do quadrado com as casas bonitas e antigas e suas mangueiras, que ainda crianças imaginávamos centenárias. Era um espaço amplo, ventilado, gostoso de sentir o vento. Na casa do Sr. Chico Destrino, com a escada alta e uma sacada sempre à vista, ouvíamos o papagaio, que já conhecia a todos do entorno da praça, e também era reconhecido. Ele gritava a todos pulmões e a acústica singular da praça fazia ecoar : Matiiiiiiilde! Chamava pela empregada da casa, que também devia lhe dispensar cuidados. Gritava também : Totó, tu já vai? Quando avistava Da. Vitória Pinho que toda tarde ia a Igreja levar flores e zelar pelo templo. Ela era uma das Zeladoras da Igreja. Dona Vitória era a antiga proprietária e moradora da casa que hoje é o Casarão do Rubens. Do outro lado da praça o papagaio a avistava quando se dirigia à Igreja e dava sua opinião. Quando não, gritava: Cocó! Chamava por Dona Clódis moradora da outra esquina. O papagaio da sacada tinha uma visão ampla ou pelo menos sentia toda a integração daquela quadra e daquela praça.

Presenciar e fazer parte dessa cena e desse cenário é algo que só se sabe quando se perde. Voltando do Centro para casa tínhamos a visão do outro lado da praça: a casa antiga de tio José Miranda, com a loja da esquina, às vezes com tia Florinda na janela a ver e curtir a paisagem ampla com alguma das filhas. E ao entardecer, algumas vezes, Lourdes, sua filha, tocava o acordeon na calçada. Creio que aquela janela de tia Florinda era disputada por quase todos da casa nos horários vagos, principalmente as mulheres, madrinha Júlia, Francisca e Maria. Em suas retinas muitos cenários que o tempo levou, o lugar de refletir e meditar naquele quadrado, espaço geométrico que poderia levar ao infinito. De olhar perdido na paisagem tia Florinda recebia nossos cumprimentos, nos abençoava e perguntava pela família que morava tão perto. Do lado, casas como a do Sr. Antônio Biró e Luzia Pacheco.

Quando passávamos pelo lado esquerdo da praça, passávamos na frente da casa de Dona Mariquinha do Sr. Antônio Honório, antigo prefeito da cidade que deu nome à praça. O jardim bonito e bem cuidado, com pés de abricó e duas seriemas que gritavam sons ecoando na praça.  Era um passeio interessante quando parávamos na grade do jardim para chamar as seriemas. De lá podíamos avistar o outro lado da praça. Na sacada da casa do Sr. Chico Destrino suas filhas depois da sesta instalavam-se a bordar e conversar, gozando da fresca da tarde. O tempo parecia manso e sem pressa e a praça mesmo sem bancos era um espaço aprazível, ás vezes com um capinzal onde alguns carneiros pastavam. Era esse espaço geométrico e livre que permitia a comunicação com todos os lados da praça, das ruas e das casas antigas, seus sons, seus cheiros, a circulação de pessoas, os ventos que iam e vinham brincando com nossas saias e os cenários que se armavam.

Um deles era nas festas religiosas, com as procissões se arrastando e circundando a praça. Havia sempre uma estação na Casa das Batistas onde a procissão parava para rezar e o padre dar uma bênção. Na festa de Nossa Senhora das Candeias víamos por todo o quadrado as lanternas de papel acesas nas paredes e sacadas. Nas festas religiosas ali se armavam também as quermesses, com as “canoas” e os carrosséis. Bastante artesanal o carrossel de madeira, com bancos de madeiras e cadeiras voadoras a eles anexadas precisava da força de dois homens para fazê-lo girar. No meio e eixo do carrossel havia um espaço onde ficava um tocador de “pife”, tocando sem parar.

O outro cenário interessante era o cenário dos circos. Quando eram circos menores podiam se instalar naquele espaço. Assistimos a muitos circos ali. E deles sempre me vem à memória um circo muito pobre, mas muito interessante. Tínhamos que levar os assentos (cadeiras ou banquinhos) pois o circo não os possuía. Tinha apenas a parte chamada “galinheiro” ou  as arquibancadas da geral. Destacava-se por um número incrível com uma cabra. A cabra era a sensação do circo porque era equilibrista. Subia por uma escada de madeira estreita até uma linha de madeira com dois metros de altura. Caminhava por essa linha de madeira estreita até a ponta, quase caindo. Lá, havia uma garrafa virada de boca para baixo, mas firme. A cabra equilibrista subia com suas quatro patas nesse fundo de garrafa, soltava uma das patas e acenava para o público. Nunca vi em minha vida cena idêntica em nenhum outro lugar. A cabra era uma sensação e as crianças queriam vê-la no dia seguinte, às claras. Como era uma estrela, não era permitido. E ficávamos de longe olhando quando por fim levavam-na para andar e pastar no capinzinho da praça que arrodeava o circo. Quando um circo se ia e deixava a pracinha livre sabíamos que outro voltaria depois e estávamos certos que aquele era um espaço livre e de diversão garantida.

Nos anos 60 foi construído um parquinho. Era simples, com poucos brinquedos, mas para as crianças dessa área era muito bom. Brincamos muito no parquinho  que foi acompanhado por plantios de castanholas ao seu redor. O quadrado havia se partido com uma rua de calçamento no meio, como uma diagonal. De um lado ficava o parquinho, de outro a praça ajardinada, mas sem bancos. A praça e a visão de todos os lados se manteve e nesse modelo foram acontecendo mudanças. Víamos, do parquinho, tia Maria Ribeiro ou seus filhos na varanda de sua casa, a casa da prima Julita Maria e Joãozinho que foi se construindo, a porta lateral da casa do Sr. Miguel César e Mirian Caldas sempre muito movimentada.  O salão paroquial foi construído  ao lado da igreja, no lugar onde tinha uma construção antiga da fábrica do Café Ararena.  E ali na pracinha tornou-se um lugar mais animado com os sons das recepções de  casamentos e tantas festas que aconteceram nesse salão. O prédio da prefeitura, agora um colégio, que passou muito tempo em construção foi terminado e aumentou o trânsito de pessoas na praça e naquela área.

 Nos anos 80 em minhas idas à Viçosa ainda curti esse espaço, apesar de que  pouco acompanhei as pequenas mudanças. Mas a referência era sempre a de uma praça livre, ventilada, com uma acústica interessante pelo eco, de onde se poderia ter uma visão de todo o quadrado das ruas e das casas, das antigas referências. Nos anos 90 a praça foi fechada.

 Imagino que para os moradores da praça tenha sido um rude golpe a decisão da prefeitura de então, de construir um ginásio de esportes, fechado, com uma arquitetura metálica e completamente contrastante com a arquitetura antiga, bloqueando a visão, os cheiros, os sons, a comunicação, os ventos, os cenários. Soube de pessoas que tiveram depressão por causa dessa construção. Houve revolta de parte da população, fizeram abaixo-assinado para os poderes públicos, mas nada, nem ninguém conseguiu demover os gestores públicos da época do absurdo daquela construção. Um “monstrengo” para quem entende de arquitetura e de cidades ou simplesmente não tem mau gosto. Já ouvi de muitos visitantes da cidade lamentações por essa construção inadequada e que estraga essa área da cidade. Fui poucas vezes ao tal ginásio. Primeiro por não ser desportista e porque nas festas e celebrações sempre me senti sufocada, além da acústica ser péssima. A praça aberta ecoava e o ginásio fechado tornou os sons estranhos: quase inaudíveis por dentro e barulhento por fora. Os vizinhos se queixam.

Soube recentemente que há um projeto para reformar o ginásio ou transformá-lo novamente em praça. Há outro ginásio sendo construído em outra área mais adequada  e  a idéia da praça aberta novamente me soa como um alívio. É como se o aprisionamento de tantas coisas que representava essa antiga pracinha pudesse chegar ao fim para os moradores da área e para todos que por ela passavam e que a curtiam desde muito tempo.  É como se uma parte da cidade estivesse sendo libertada. A idéia de que uma parte da praça passe a ter equipamentos de ginástica é boa, pois presta um serviço para a população dessa área, ao mesmo tempo em que se pode curtir esse “espaço libertado”, continuando o antigo estilo da praça onde antes já havia um parquinho. Considera-se, também, que não é um grande prejuízo o desmonte do ginásio, já que a estrutura metálica pode ser toda reaproveitada em outros espaços e... Os corações agradecem.

O resgate da pracinha Antônio Honório vem nos questionar sobre as ações, construções e reconstruções das pequenas cidades, lembrando que os espaços públicos delas, como praças, ruas e outros não devem ser modificados sem consulta à população, tomando-se os devidos cuidados com os prejuízos que podem acarretar à ela e à própria cidade. A cidade, no final das contas, pertence a todos. E a população que nela nasceu, viveu e a amou pertence a esses lugares, que aprisionados por decisões unilaterais de um gestor público aprisionam também as vidas das pessoas. As construções paralisadas, os cercos de espaços públicos por muito tempo são também prejudiciais à população. Urge, portanto, que o resgate da pracinha seja feito rápido e as outras praças da cidade sejam liberadas de seus cercos e tapumes.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

- 01 de março de 2015-

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    Verônica Maria Mapurunga de Miranda

 

  Dia 01

Março de 2015

   

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