Principal

  Viçosa

Viçosa ...Tempos de outrora

Viçosa...Anos e anos

Guia Viçosa

------------------------------

MAPURUNGAS: UM SONHO INTENSO


MAPURUNGA: UMA FRUTA, UM APELIDO, ...

DINDIA: A HERANÇA MATRILINEAR


Essa noite eu tive um sonho,oh que sonho original. Um sonho tão bonito que vos passo a contar... Uma poesia recitada no colégio, na infância, chamada Sonho Original, vem nos lembrar a importância dos sonhos.

 Dando seqüência à aparição da Curandeira Dindia que reclamava seu lugar na história da família Mapurunga, também tive um sonho. E não o colocaria em público se não estivesse certa de que era algo para um grupo muito maior de pessoas. O sonho com as frutas Mapirungas em tamanho grande, que apareciam numinosamente como frutas suculentas, atraentes, convidativas, admiráveis, brilhantes, também tinha a voz de alguém que dizia para mim e outra mulher loira: Vão comer as Mapurungas, já que as duas são Mapurungas. Apesar de ser um sonho tipo revelação, deixei-o de lado, mas dois dias depois sem haver comunicado o sonho a ninguém recebi um convite de um primo para participar de um grupo da família Mapurunga. Com tanta sincronicidade ocorrendo resolvi então abrir o sonho, que com certeza tinha um alcance maior e se relacionava com tudo o que vinha acontecendo em relação às revelações de Dindia sobre a família.

Algo precisava ser comunicado à família inteira que é grande. A ancestralidade presente nesse núcleo arquetípico das frutas Mapirungas dizia: Todas são Mapurungas, loiras e morenas, todos os Mapurungas portam esse DNA, que é suculento, admirável, capaz de unir o que está dissociado. Todos têm uma ancestralidade autóctone ligada à terra, mesmo que não saibam. Os Mapurungas são indígenas, cafusos. E isso é de todos, significa inteireza, significa ligação com a terra e natureza e é maravilhoso. Vão comer todos desse núcleo arquetípico e se beneficiar dessa fruta e ancestralidade.

Há milhares de anos, em várias culturas e tempos históricos diferentes os sonhos eram muito integrados ao cotidiano  e eram importantes na vida das pessoas. Faziam parte dos oráculos em algumas culturas, faziam parte dos anúncios dos profetas em outras, inclusive naqueles relacionados à Bíblia. E traziam resoluções de problemas para outras, como as culturas dos povos originários. Nos tempos modernos com o desenvolvimento da razão, com a emergência das ciências os sonhos foram deixando a sua função necessária e até cotidiana na vida das pessoas. A intuição deixou de ser estimulada e os sonhos, assim como outras atividades a eles ligadas passaram a um segundo plano e até a um esquecimento, sendo considerado por algumas linhas de psicologia como o lugar da compensação psíquica e nada mais.

Por outro lado e diante das iminentes necessidades de integração do ser humano moderno, fragmentado, com aspectos de sua psique recolhidos, tornamo-nos, em vários lugares, seres humanos modernos em busca de sua inteireza e de elementos que o possam fazer-se sentir realmente como humanidade. Enquanto não nos sentirmos como um todo ou em um todo, nestes tempos de muita transformação, todos os fluxos que nos compõem nos levarão a tremendos conflitos na busca de resolver e transcender as contradições. E estes ocorrem tanto em nível pessoal, familiar, quanto cultural. Esse é o dilema do ser humano moderno. E eis que coisas aparentemente esquecidas e que eram luzes em outras sociedades e culturas reaparecem: os sonhos e os mitos. Estão hoje na ordem das necessidades dos seres humanos e novamente incorporados às várias vertentes da psicologia, da filosofia e estudado em suas relações com a cosmologia e com o sagrado.Os sonhos possuem a base arquetípica que compõem nossos substratos culturais e por isso eles e os mitos aqui e ali, apesar de serem de natureza opostas à História, se reencontram com ela e nos fazem marchar adiante, compreender, transcender e dar os saltos necessários. Sobre os sonhos nos fala Jung:

1 Senhoras e senhores: A análise de sonhos é o problema central do tratamento analítico, porque é o meio técnico mais importante para abrir um caminho para o inconsciente. O objeto principal deste tratamento, como vocês sabem, é o de perceber a mensagem do inconsciente.(...)

Os primitivos acreditam em dois tipos diferentes de sonhos: ota, a grande visão, volumosa, significativa e de importância coletiva; e vudota, o pequeno sonho comum. Usualmente, eles negam ter o sonho comum ou, se depois de longos esforços de sua parte, eles admitem uma tal ocorrência, dizem: "Isto não é nada, todo mundo tem isso!". Sonhos grandes e importantes são muito raros, e só um homem realmente grande tem grandes sonhos - chefes, curandeiros, pessoas com mana. Eles disseram que eu também teria uma grande visão porque eu era um grande senhor, e alguém com cem anos de idade, porque eu tinha cabelos brancos e estava apto a ler o grande livro, o Alcorão. Nosso usual preconceito contra os sonhos - de que eles não significam nada - é provavelmente a velha tradição de que os sonhos ordinários não têm nada de relevante. Exploradores dizem que, quando um chefe ou alguém com mana tem um grande sonho, ele sempre chama a aldeia, e todos sentam e escutam, esperam e consideram, e freqüentemente seguem o conselho dado.(...) ¹

Os mitos, por sua vez, são fundamentais para se manter o sentido da vida e segundo Edward Edinger a falta deles pode acarretar problemas sérios tanto individuais quanto coletivos.

A história e antropologia nos ensinam que a sociedade humana não pode sobreviver por muito tempo, a menos que seus membros estejam psicologicamente contidos num mito central vivo. Esse mito proporciona ao indivíduo uma razão de ser.(...)O colapso de um mito central é como o estilhaçamento de um frasco que contém uma essência preciosa: o líquido se derrama e se escoa, sugado pela matéria indiferenciada à sua volta. O sentido se perde, reativam-se os conteúdos primitivos e atávicos. Os valores diferenciados desaparecem e são substituídos por motivações elementares de poder e prazer, ou então o indivíduo expõe-se ao vazio e ao desespero.(...) A perda do mito central acarreta uma situação verdadeiramente apocalíptica, e esse é o estado do homem moderno.²

E apesar do reconhecimento da história e antropologia da importância do mito é exatamente seu caráter a-histórico, não definível dentro de um tempo-espaço, que possibilita sua atuação simbólica e de resgate daquilo que poderia se chamar sua própria verdade na dimensão do infinito.³

É por essas características simbólicas e fora do espaço-tempo histórico, que aquilo que ficou retido, esquecido, dissociado, pode ser resgatado de forma arquetípica, simbólica e mítica trazendo sentido e cura para a realidade presente.

Trabalhando questões da ancestralidade, em 2003, e revendo agora esses trabalhos, houve um encontro do final de Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez com a trilha sonora do filme “O Último dos Moicanos, quase um anúncio (vide página: http://www.veronicammiranda.com.br/cemanos.htm)* O final de Cem Anos de Solidão com o término da leitura dos pergaminhos, nos contava toda a verdade de uma família e sua ancestralidade, como um mito, que é também um mito latino-americano. Um romance de realismo fantástico, de muito sucesso. Êxito explicado pela grande identificação com aquilo que compõe os fatores da miscigenação, dos labirintos familiares em meio a histórias de guerras, de colonizações e neo-colonizações, aos esquecimentos e desencontros. Uma história mítica, que no final decifra os pergaminhos da família, que poderia ser qualquer família dissociada e desencontrada por esses processos históricos, que se encontra por toda a América miscigenada. Decifrar os pergaminhos, buscando a verdade que não coube no espaço-tempo histórico, mas que é necessária, acabará de vez com a cidade dos espelhos e das miragens e com as estirpes que vivem em solidão.

Um mito para ser vivenciado em épocas modernas, em que tudo que é sólido, mas contraditório, dividido e conflituoso se desmancha no ar. E o papel do mito é este, saindo de um mundo que exige lógica para algo ilógico, ser capaz de desfazer esse mundo para reintegrá-lo sob outros pressupostos, capazes de unir aquilo que está dissociado, recuperando a totalidade arquetípica e mítica.

O filme “O último dos Moicanos”, por sua vez é arquetípico, porque vem nos lembrar dos povos originários na América que foram sendo extintos com a colonização e que muitas vezes sobrou apenas um, para lembrar seu povo e sua estirpe. No caso de nosso Tataravô, que deu nome à família Mapurunga, ele sabia que seria “o último dos moicanos” e o fim da ancestralidade indígena com a miscigenação e o branqueamento cada vez maior da família. O registro do nome Mapurunga em cartório foi a tentativa de perpetuar essa estirpe. Mas o esquecimento que ocorre nesses processos e nessas famílias, tal qual ocorreu em Cem Anos de Solidão, a falta de integração da ancestralidade e do conhecimento real de suas origens leva a família e a cidade, os núcleos coloniais que sofreram a miscigenação e a colonização, à sua própria destruição. As dissociações, os sistemas parciais autônomos quando não integrados transformam-se em neuroses profundas e psicoses nas famílias.⁴

O Último dos Moicanos precisa morrer realmente e ter paz, por ter conseguido realizar a integração de sua ancestralidade para sempre, na família que fundou para isso. Aqueles conteúdos autônomos que se manifestam nos conflitos e contradições sem muitas explicações objetivas, dentro das famílias, precisam saber que as “consciências” os aceitam e estão em paz, para finalmente irem-se a ocupar seu lugar no “conselho de fogo do seu povo”.

A última fala de “O último dos Moicanos” é a fala de despedida, de “consciência” da situação atual: “Grande espírito do criador de toda a vida. Um guerreiro vai para o senhor certeiro e rápido como uma flecha atirada ao sol. Acolha-o. E deixe que tome seu lugar no conselho do fogo do meu povo. Ele é Uncas, meu filho. Diga para ser paciente e pedir para a morte ser rápida, porque eles estão todos lá, menos um, eu Chingachgook o último dos Moicanos. “ (Do filme O Último dos Moicanos). No caso em questão, do Último dos Moicanos que fundou uma família, seria a consciência de que sua ancestralidade foi finalmente aceita e integrada para sempre e ele pode partir em paz.

Lendo os pergaminhos, decifrando-os como uma questão de vida e morte somos capazes de ser tudo, aceitando as alteridades, amando ser humano e mais que isso SER o que a alma nos convoca, em tempos de grandes sínteses.

A importância de Cem Anos de Solidão, quando o imaginamos e comparamos com todas as nossas histórias e origens desencontradas, está em que ao lê-lo ele se transforma em nosso mito, que é também o de muitos latino-americanos. Devolvendo-nos assim, através do resgate de nossas próprias histórias, nosso DNA total, tocando profundamente no coração e curando todas as ausências, nos batendo na cara com nossa imensa solidão, para saber no fim que somos uma só alma. Para saber também que desfazendo a cidade das miragens e dos espelhos, que gerou histórias tão contraditórias e desencontradas, nos resta ser somente a melhor estirpe, QUE É AQUELA QUE AMA VERDADEIRAMENTE. A estirpe que pode ser tudo e inteira, sendo o que é da terra e também o que veio de fora, que bebe no barro que fomos feitos, no sonho e sangue que necessitam de redenção e que por fim podem ser transcendidos.

 Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 02.06.2019

------------------------------------------------------------------------------

Notas e Referências Bibliográficas

* http://www.veronicammiranda.com.br/cemanos.htm

1- NOTAS SOBRE OS SEMINÁRIOS MINISTRADOS DE 1928 A 1930 POR C. G. JUNG - Análise de Sonhos (1928-1930) -PRIMEIRA PARTE -INVERNO DE 1928, NOVEMBRO E DEZEMBRO -CONFERÊNCIA I: 7 DE NOVEMBRO DE 1928. Pags. 1 e 2 

2- EDINGER, F. EDWARD – A Criação da Consciência : O Mito de Jung para o Homem Moderno. São Paulo: Editora Cultrix.  Pags. 9 e 10.

 3- Sobre isso nos fala Emma Brunner-Traut – (...) essa compreensão mítica, mesmo quando está aprisionada dentro dos limites  de formas materiais sólidas do espaço e do tempo, ainda permanece, de fato, dentro de si mesma na atemporalidade, e portanto, sem história; (...) Enquanto a natureza do julgamento racional exige que o homem forneça seu próprio sistema de referência, seu conjunto de condições para o questionamento das coisas, no mito os objetos têm sua própria relação interna um com o outro; eles se encontram e interagem num mundo próprio, oculto e desatento em relação ao questionador.Eles são suficientes e harmonizados entre si, assim constituindo sua própria verdade na dimensão do infinito. (Emma Brunner –Traut  Apud Whitmont, Edward C. - A Busca do Símbolo. Conceitos Básicos de Psicologia Analítica. São Paulo: Cultrix. Pag. 70).

 Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 02.06.2019


Midi de fundo: Trilha Sonora do Filme: O último dos Moicanos

PLANO DE FUNDO:  FRUTA  MAPIRUNGA E FLORES DA MAPIRUNGA


Viçosa do Ceará -Uma página não oficial

EM ARTESANIAS - DE VERÔNICA MIRANDA-www.veronicammiranda.com.br

A REPRODUÇÃO  TOTAL OU PARCIAL DESTE SÍTIO NÃO ESTÁ PERMITIDA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS