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Guia Viçosa

 

MAPURUNGA: UMA FRUTA, UM APELIDO, UMA ANCESTRALIDADE.


DINDIA: A HERANÇA MATRILINEAR

 MAPURUNGAS: UM SONHO INTENSO

 

Nos anos 90 do século passado estando em Viçosa do Ceará,  realizando uns trabalhos, tive contato com essa fotografia antiga de Dindio e Dindia meus tarataravôs pelo lado materno e bisavós pelo lado paterno. Papai chegou em meu escritório muito eufórico, porque ajudando um primo que fazia um livro sobre a família havia encontrado um quadro com o retrato deles na casa de um parente. Como eram raras as fotografias em sua época tinha sido realmente um achado. Não fosse pelo fato de ser uma fotografia pintada ou colorida á mão como se fazia nas fotografias antigas, meu tataravô pareceria mais moreno. De fato,  meu pai pediu um fotógrafo para fotografar o quadro e me solicitou que colocasse as várias fotos  que mandou reproduzir em cartolina com os  nomes para distribuí-las com os parentes. E assim foi feito. Entregando uma delas a um parente  na época ele comentou:  Ele era muito moreno! As primeiras fotos que eu tinha em back up foram levadas de minha casa, em um roubo de meus arquivos, e depois acabei ganhando uma que parece ter sido passado em photoshop e estavam mais clareadas. A foto abaixo tirada sobre a cadeira de meu escritório com algumas modificações de tonalidade.

        Toda essa explicação sobre a cor deve-se ao fato de que o nome Mapurunga veio da fruta Mapirunga((Eugenia Tinctoria Gagnep)*,  uma Myrtacea, arbustiva, parte da paisagem do Ceará. E como mostra a foto a frutinha é preta ou bem arroxeada. Entrevistando, no final dos anos 70 do século passado, meu tio Pedro Mapurunga Miranda que gostava de contar a história da família, dizia que o fundador da família Mapurunga era trigueiro ou bem moreno, o que lhe valeu o apelido desde cedo de Mapurunga, por ser da cor da fruta Mapirunga, provavelmente cafuso. E ao tornar-se adulto registrou o apelido em cartório, ficando com o nome de José Carneiro da Cunha Mapurunga. Casou-se com Maria Fontenele, branca e aloirada, do qual resultaram filhos brancos e morenos.

A família seguiu os muitos rituais de branqueamento e reposicionamento dentro da sociedade e cultura, que as famílias dos núcleos coloniais seguiram para serem aceitas social e culturalmente. A miscigenação, como escrevi em outro artigo, ( Mulheres em Marcha - Os freios á Marcha das Mulheres - www.veronicammiranda.com.br /fale35.htm )** dividiu e colocou as famílias dos núcleos coloniais em conflito, em relação às suas origens. O que se registrou com essa família se registrou também com muitas outras que tentaram apagar os vestígios da ancestralidade no que diz respeito às origens nativas, indígenas e tentar realçar aquilo que se apresentava como vestígios do colonizador. Essa é uma realidade dos núcleos coloniais que ocorreu em quase toda a América, principalmente nas Américas portuguesa e espanhola, pela forma de colonização.

José Carneiro da Cunha Mapurunga e sua família eram bem colocados na sociedade e cultura local nas suas representações simbólicas.*** Possuía terras, era da guarda nacional e pertencia á Igreja Católica de forma ostensiva. Essas questões eram fortes na cultura de sua época, que dividiu, apesar de juntar na constituição de famílias, colonizadores e população nativa, reprimindo aquilo que era notório da cultura autóctone. E isso foi fato ocorrido com todas as famílias miscigenadas, e ao contrário do que algumas dizem, não existe nenhuma que não tenha sangue indígena. Daí todos correrem para buscar suas origens portuguesas, coloniais e esquecer as nativas. O detalhe importante nesta família é que a cultura indígena era forte na família e apesar de toda a pressão cultural o Dindio resolveu assumir o apelido Mapurunga em seu nome registrando-o em cartório. Enquanto a família era branqueada, através do casamento com uma descendente de Fontenele, ele preservou algo muito importante que portava a ancestralidade indígena. Os indígenas de determinada etnia e linhagem tinham sua planta e seu animal e a sua planta era com muita probabilidade a Mapirunga. Os cristãos novos adotavam nomes portugueses e aceitáveis, já que os nomes indígenas não eram aceitos, mas ele assumiu um nome passível de aceitação que carregava a herança indígena.

Dessa forma se iniciou a família Mapurunga, que era também Carneiro da Cunha e era Fontenele, de Maria Fontenele minha tataravó de Jacarei no Piauí, por onde o francês Jean Pierre Fontenelle fez sua passagem,  deixando muitos filhos, entre legítimos e ilegítimos, por essas plagas nordestinas. Deixando essas convenções de lado, na família Mapurunga houve dois casamentos com Fonteneles. Meu tataravó e meu bisavô José Evaristo Carneiro Mapurunga que casou com Idalina Ana Fontenele também loira e branqueou mais ainda a família. Entretanto, apesar dessa origem conhecida pelos mais antigos, os mapurungas passaram a ser conhecidos como loiros e brancos, ocultando o DNA dos Fonteneles e talvez outras misturas portuguesas. E assim passou-se a um grande engano, imputando ao nome Mapurunga algo que o próprio Mapurunga não queria ao assumir a sua ancestralidade indígena ou cafusa, o que sugere que havia afro descendentes também, carregando-a no próprio nome. Essa ancestralidade pode ser buscada em uma história oficial, através de documentos e jamais será encontrada, pois os documentos tratavam de esconder  as características que culturalmente pudessem expor as famílias a um tratamento inferiorizado em sociedades quase de castas e muito preconceituosas.

O gesto mais importante e ousado do nosso tataravó, assumir a sua ancestralidade indígena, passou a ser assim, esquecido ou negado e começou a haver preconceito em relação aos que não eram loiros denominando alguns de Mapurungas pretos, quando de fato os loiros descendiam mais da linhagem  Fontenele que era matrilinear e por isso foi esquecida em uma família muito patriarcal, ao mesmo tempo que a origem indígena e a ancestralidade nativa era deixada de lado, apesar de ser forte na família. De criança, meu pai costumava me apelidar de tia Leonor. Eu gostava de ficar acocorada com minha chupeta e sua tia Leonor, filha do Dindio, segundo ele, fumava seu cachimbo assim, acocorada. E isso é uma grande herança indígena, assim como o cultivo e uso permanente do fumo na família. Além disso Dindio era conhecido por ser um entendedor de plantas, raizeiro e curador. Se formos buscar os sinais dessa herança filogenética, ela é muito forte e ao mesmo tempo muito negada. O não aceitar tudo aquilo que somos no processo de miscigenação gerou, em muitas famílias e coletividades, dissociações, complexos autônomos que permanentemente revisitam as famílias através das gerações cobrando realização. E ao não serem aceitos e assimilados pela consciência, pois na maioria das vezes há a negação dessas questões, eles tornam-se destrutivos, criando conflitos e criando efeitos nocivos de possessão, neuroses e até psicoses nas famílias.(Sobre isso vide artigo já citado - (www.veronicammiranda.com.br /fale35.htm)

 Ao que parece, os mortos sempre voltam a cobrar essa realização. E existe a possibilidade arquetípica e simbólica de fazê-la e de tornar conscientes esses aspectos culturais e históricos negados. 

 Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 10.05.2019

 

 

 

 

 

Júlia Carneiro Mapurunga, filha de  José Carneiro da Cunha Mapurunga (Dindio) e Maria Fontenele Mapurunga (Dindia) e Vicente Ferreira de Miranda. Meus avós paternos e tios-bisavós maternos.

 Quando vejo minha avó tão bonita nesta foto sinto que não contaram toda nossa história. A vejo e sinto raízes profundas, caladas, deixadas no subterrâneo mundo arquetípico e tão necessárias a seus descendentes. Ouço uma música antiga de flauta, que inspirou talvez meu pai em sua arte do "Pife" (pífano) de taboca, em seu som telúrico e de vento. Nós vindos dessa matriz, irmãos e parentes de muitos nesta serra da Ibiapaba e por que não neste continente americano. Veronica Maria Mapurunga de Miranda. 02.09.2016.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  * Sobre  a fruta Mapirunga

 Façanha, Rafaela Vieira – Qualidade e Potencial antioxidante de frutas nativas do litoral cearense em diferentes estágios de maturação -2012 – Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Ceará, Departamento de Fitotecnia. Pós-graduação em Agronomia/Fitotecnia, Fortaleza, 2012. Pags.22,23,35.PDF- Consultado em 26.04.2019.

http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/8610/1/2012_dis_rvfacanha.pdf

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Cunha, L. L. T.; Lucena, E. M. P. de; Bonilla, O. H. - Exigências térmicas da floração à frutificação de quatro espécies de Myrtaceae em ambiente de Restinga - Revista Brasileira de Geografia Física V. 09 N. 02 (2016) 511-525. Homepage: www.ufpe.br/rbgfe -  Artigo recebido em 17/04/2016 e aceito em 30/04/2016 Pag.519 .PDF Consultado em 26.04.2019

https://periodicos.ufpe.br/revistas/rbgfe/article/view/233730/27289

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https://www.youtube.com/watch?v=oFMz3rfre10

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** Sobre a miscigenação e suas relações complexas veja - Mulheres em Marcha - Os freios à Marcha das Mulheres - www.veronicammiranda.com.br /fale35.htm .

*** As representações simbólicas neste caso dizem respeito ao conceito de Bordieu que é diferente do conceito junguiano de símbolo, que perpassa todo o trabalho no que se refere aos sonhos, mitos, sincronicidades e trabalho de arte. No primeiro é uma representação que envolve um construto histórico, social e cultural, ou seja, como as famílias dos núcleos coloniais para ter um lugar de pertencimento digno e reconhecido na sociedade e cultura se inseriram nessa sociedade. No segundo, o simbólico, no sentido junguiano do termo representa a possibilidade de reunir aquilo que foi fragmentado, no esforço e trabalho de superação e transcendência das divisões e criações de complexos individuais, familiares e que também são culturais. Os símbolos no sentido e significado junguiano emergem, seja através de sonhos, mitos, arte e sincronicidades.


Midi de fundo: Lua Branca de Chiquinha Gonzaga - 1911

PLANO DE FUNDO:  FRUTA  MAPIRUNGA E FLORES DA MAPIRUNGA

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