TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMA

14- A ATUALIDADE DE JUNG - (VEJA ARQUIVOS)

Já escrevi em vários artigos dessa seção JUNG PARA A VIDA  e TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMAS sobre as contribuições de Jung e sobre a consciência cósmica, mas agora com esses comentários que fiz nesses dois artigos sobre Jung, que o coloca como um inspirador da ecologia integral e o outro que se reporta à compreensão do narcisismo na família, ainda que Jung não tenha se dedicado ao estudo do narcisismo, mas sua teoria dos complexos dialoga com esses problemas atuais, assim como as questões sistêmicas familiares estudadas por Bert Hellinger. Lembremos também que Rupert Sheldrake que nos trouxe trabalhos e estudos sobre a ressonância mórfica faz permanentes alusões ao inconsciente coletivo estudado por Jung, inclusive dizendo que sua teoria da ressonância mórfica é uma forma de comprovação do inconsciente coletivo, algo que a ciência positivista exigia na época desses estudos de Jung e que era de difícil comprovação, porque aparentemente ocorria no mundo imaginal.  Essas abordagens dos dois artigos comentados por mim, aparentemente diversas, são, no entanto, partes das soluções  que essa cosmovisão junguiana traz para os problemas atuais da humanidade. Uma das questões centrais que permeia essa atualidade é a polarização recorrente da cultura e das pessoas. O tema ambivalência me veio com bastante preocupação, mesmo considerando que esse é um estado de todos que vivem em dualidade. Mas essa condição de ambivalência nessa época que vivemos tende a se agravar, a se aprofundar. Outro dia conversando com uma pessoa muito religiosa ela dizia: O conflito entre corpo e espírito não tem jeito, só quando morremos podemos quem sabe resolver. E eu fiquei preocupada com essa certeza que ressoava como a polarização que já vivemos e que subjaz a idéia de eu vou à Igreja, ao culto e lá tem a espiritualidade, na reza, nos ritos, e depois meu corpo material se vira como pode e aprofunda através das psicopatias possíveis o abismo entre corpo e espírito, nesse entremeio considerando tudo aquilo que está inconsciente e que parte da ciência e espiritualidade atual chama de subconsciente e memória. E é essa dicotomia que parece aprofundar a ambivalência que se vive e que justifica todas as distorções que temos no dia-a-dia, como aumento de violências, conflitos, abusos,etc. Além disso, mudanças que estão ocorrendo no planeta pedem uma completa reflexão sobre enunciados religiosos e de uma ciência cartesiana que já caducaram. Corpo e espírito, que em princípio estão juntos, mas psicologicamente separados, deveriam se encontrar em consciência e encontrar suas mediações, somente assim escaparemos das terríveis ambivalências e polarizações.

Ora, ainda que alguns estudiosos do tema possam discordar, Jung veio trazer exatamente algo entre corpo e espírito que é a alma, o Ser, que foi retirada segundo James Hillmam, depois de uma dessas reformas da Igreja católica, que eu já abordei em um dos primeiros artigos escrito por mim nesta seção (Nos reinos da alma:O resgate do ser humano moderno) . E não foi escrito com essa tônica à toa, mas porque é esse mundo da alma, imaginal, que propicia o contato com o Self, que ele chamou de arquétipo central. Eu sei que hoje existem restrições ao desenvolvimento dessa linha de trabalho por algumas correntes do pensamento junguiano, pós-junguiano e até de suas práticas, mas de fato é o cerne dessa cosmovisão de Jung, pois ela constitui a possibilidade de ponte entre natureza e integração da personalidade total, que de alguma forma redunda na consciência cósmica. Como Jung não fez verdadeiramente uma teoria sobre o assunto, mas  trabalhou os processos de individuação, experiências vivas, inclusive e principalmente  a dele, que culminou com um estudo profundo da alquimia, em que ele tece um paralelo com sua própria experiência de individuação, não podemos colocá-lo como um pensamento qualquer, ou teoria. E quando pensamos em um processo clássico de individuação, sabemos que a inspiração que chega para a realização do próprio processo é do SELF e Jung nos chega para explicar que apesar de ser um processo único existem coordenadas e formas de se alinhar a esse mundo imaginal e intuitivo capaz de nos fornecer todos os elementos e energias necessárias para a jornada da integração dessa personalidade. A idéia holística perpassa o processo porque ele é amplo e exige abertura. Mas não é possível fazê-lo sem o mundo imaginal e criatividade. De fato, temos que "aprender a aprender" e logo sabemos que sem símbolos, sem mitologizar a realidade não é possível ir adiante. Daí que esse mundo médio, da alma e coração, dos arquétipos é fundamental para transcender a tensão dos opostos que se arma durante o processo para que a psique chegue aos acordos necessários. E aí o símbolo aparece. Não é uma representação, mas o peixe da boa pesca em alto-mar, capaz de unir os mundos e oferecer uma solução para os conflitos, para a ambivalência, o terceiro ponto de vista, que vai lhe fazendo alma, um novo eixo. O ego que tentar se relacionar com as sombras e inconsciente, sem a mediação e o alinhamento do Self sofre grandes perigos de viver uma neurose ou psicose.

 A nova consciência, portanto, é um novo território, que muda a percepção consciente e inconsciente e esse território é possível pelo mundo imaginal, simbólico, que reúne arquétipos, símbolos, mitos e sonhos. E quem vive essa realidade sabe o quanto ela é necessária para muitos. Mas a trajetória de uma individuação clássica vivem aqueles que podem suportar a tensão dos opostos. É um processo de permanente jogo de equilíbrio.  O que se aprende, no entanto, é que a mediação desse mundo intermédio ou do mundo imaginal,  da criatividade, do símbolo e dos arquétipos pode ser um coadjutor da resolução das polarizações, das ambivalências e do processo de autoconhecimento e autoconsciência. E dessa forma pode dialogar com as teorias sistêmicas, as cosmovisões  ligadas à natureza e às ciências que reconhecem o mundo imaginal.

Vejo que existem algumas abordagens junguianas e pós-junguianas que colocam a doença física como um símbolo. De fato, o símbolo é aquilo que cura e subjaz à doença, algo fragmentado que necessita se juntar para a compreensão e fluxo energético adequado, que aparece como um terceiro ponto de vista, que não é do inconsciente, nem do consciente, mas que pode reunir os dois em uma solução, o que se chama de função transcendente. O símbolo move energias estagnadas. Cito um caso de uma terapeuta que adquiriu um câncer e apesar do tratamento normal e adequado ele não remetia. E fazendo algumas sessões de psicoterapia veio um abuso sexual que ela tinha tido quando criança e havia esquecido. Relembrar e juntar as partes fragmentadas no trauma, por algum símbolo durante a psicoterapia permitiu sua cura.

Aprender a simbolizar e a mitologizar a realidade é a possibilidade de buscar a mediação e transcendência das ambivalências e polarizações entre consciente e inconsciente, diminuindo conflitos internos e externos e ao mesmo tempo tornando possível o acesso aos mundos não reconhecidos da natureza e da circularidade. Buscar um tempo não linear e mais presente. O nosso destino próximo de consciência é a consciência cósmica e o novo eixo sobre o qual ela pode se desenvolver é o coração, em um raio que pode reunir o pensamento e o sentimento, a sabedoria, o amor incondicional e o poder espiritual. No artigo DOS PROCESSOS DE INDIVIDUAÇÃO E DO AMOR - CORAÇÃO OU SELF eu abordo essa coincidência ou seria sincronicidade? Relembrando o sonho que Jung teve antes de publicar seu último livro: O Homem e seus símbolos. Estava diante duma grande multidão falando sobre a psicologia do inconsciente ou quem sabe da sua cosmovisão. Isso o fez pensar que o conhecimento que ele tinha sobre esses processos deveriam ser massificados. Hoje eu pergunto se não era uma antecipação da massificação desse conhecimento, dessa cosmovisão, por uma necessidade grande da população. É assim que vejo sua atualidade. Jung não esteve aqui neste planeta por acaso ou sua trajetória de vida esteve marcada por uma contribuição substancial no que se refere à mudança de consciência para esses tempos. Todos aqueles que seguiram os processos de individuação na esteira dos seus conhecimentos e das experiências humanas e históricas destes tempos, de alguma forma são parte de uma experiência humana de mudança de consciência. A ressonância mórfica de todos esses processos pode ser o resultado desse período em que a consciência buscou sua totalidade e nos colocou em um novo umbral como humanidade, no tempo de cosmonascer. Verônica Maria Mapurunga de Miranda -04.09.2013

Veja os dois comentários dos artigos:

 Este artigo de Leonardo Boff (C.G.Jung : Inspirador de uma ecologia integral)¹ No site do Instituto Humanitas Unisinos é importante por mostrar a atualidade de Jung em um cenário do pensamento que vai além da psicologia, porque é uma cosmovisão e como ele mesmo diz em seus textos: "...a alma está em busca de sua totalidade"². E ele (Jung) foi conseqüente e coerente com esse pensamento, vivenciando-o até o fim e com uma abertura muito grande, fazendo a ponte entre várias cosmovisões: a ocidental cristã, a alquimia, as várias cosmovisões orientais e também dos povos originários africanos e alguns povos americanos. Mas sua relação com Mircea Eliade o aproximou também definitivamente das cosmologias que fazem nossa ancestralidade e que retornam com muita força na inauguração do novo tempo da natureza e do pensamento do coração.
Seguir Jung em um processo de individuação rumo à totalidade ou à consciência é estar em um processo aberto, sem fronteiras, em que aprendemos com todas as realidades e apesar de ir a alto-mar sabemos que temos como guia pescadores experientes.

No fim, chegamos à realidade bio-espiritual, que é a de todos e que é a da terra e que é a do cosmos. E a quase certeza de que há sempre um Self primordial nos esperando para nos fazer renascer.
Em última instancia Jung já nāo tem mais idade. Ele já está para nós naquele presente que contém todos os tempos. Que todos nós possamos celebrar essa ecologia integral.Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 03.09.2023

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À guisa de um comentário e um pequeno acréscimo a esse artigo do IJEP ( A proeza de ser independente – filhos criados sob o narcisismo dos pais de Patricia Moura Vernalha)³ que considero um importante tema nos dias atuais).
“[…] Via de regra, o fator que atua psiquicamente de um modo mais intenso sobre a criança é a vida que os pais ou antepassados não viveram ( pois se trata de fenômeno psicológico atávico do pecado original). Esta afirmação poderia parecer algo de sumário e artificial sem esta restrição: essa parte da vida a que nos referimos seria aquela que os pais poderiam ter vivido se não a tivessem ocultado mediante subterfúgios mais ou menos gastos. Trata-se pois de uma parte da vida que – numa expressão inequívoca – foi abafada talvez com uma mentira piedosa. É isto que abriga os germes mais virulentos.(JUNG, 1981§ 87)”(Do artigo)

Apesar de jung não ter se dedicado ao tema narcisismo e aos estudos sistêmicos, aqui no estudo dos complexos ele se aproxima de algumas questões familiares, que hoje são importantes para se entender uma série de problemas das famílias e inclusive da área de psicopatologia.
Jung disse: onde não há amor há poder. E a dependência que pais narcisistas criam em relação aos filhos diz respeito à posse e não ao amor. Os filhos são sua necessidade de compensação emocional-afetiva. Repetindo, como Jung disse: Onde existe o poder não existe o amor. Tanto Bert Hellinger, como winnicott dialogam um pouco sobre a teoria dos complexos de jung, que diz respeito também à formação da própria família, com seus esquecimentos, falta de realizações e pertencimentos, no que se refere à inteireza pessoal e do sistema familiar. Como também na constituição de um falso self (winicott), pela falta de espelhamento necessário à criança desde que nasce. O indivíduo sem esse espelhamento sofre de um vazio e cria um self pessoal que não é criativo, mas um robô, artificial. Um self para a sobrevivência e não para viver. Sua salvação é o desenvolvimento da criatividade, do amor, da busca da inteireza e autoconsciência. Dessa forma, a família narcisista pode significar um avanço no patamar da própria consciência, se consegue sair do embróglio afetivo e da constelação da sombra, que ocorre nos casos em que há complexos transgeracionais.

O sistema familiar funciona de forma adequada com amor natural, mas ao não existir esse espelhamento, e existir fragmentações pela não aceitação e esquecimentos daquilo que se é em sua árvore genealógica, tudo o que for negado (como já apontava Jung ) será re-vivido na família. E muitas vezes sem aceitação, o que gera muitos conflitos. Alguém ou mais de um membro vai nascer no sistema familiar para viver a parte esquecida e não aceita. Há um impulso energético para que o sistema familiar com amor seja restaurado e por isso, apesar da não aceitação das diferenças e alteridades elas vão explodir em conflitos familiares, pela necessidade de sua recomposição. Os complexos autônomos passearão por essas famílias, como fantasmas. A aceitação do esquecido e da alteridade só é possível com amor. Somente o amor é capaz de aceitar o outro como é. Somente o amor pode fazer o indivíduo aceitar-se a si mesmo em completude e no seu fluxo natural, sem as podas daninhas da sociedade e cultura.

Além disso, os complexos autônomos, que vão do indivíduo ao coletivo, em sistemas parciais autônomos, daquilo que não foi vivido, que é inconsciente e necessário aos indivíduos e sistema familiar, podem trazer neuroses, psicoses (psicopatias, entre elas a reestruturação do narcisismo em narcisismo perverso) pelas dificuldades de assimilação e criação de profundas ambivalências.

Somente a autoconsciência desses complexos e das energias que os movem podem resolver os distúrbios familiares. No final de tudo a família sã é a que conseguir recuperar sua inteireza enquanto sistema, sua verdade e o amor. Lembrando que o grande desafio de cada um é saber que mesmo constituindo sua autonomia ainda porta em si o sistema familiar. Verônica Maria Mapurunga de Miranda- 27.08.2023

Verônica Maria Mapurunga de Miranda -04.09.2023

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1- C.G.Jung: Inspirador de uma ecologia integral- Artigo de Leonardo Boff - in Instituto Humanitas Unisinos-31.08.2023  -https://www.ihu.unisinos.br/categorias/631938-c-g-jung-inspirador-de-uma-ecologia-integral-i-artigo-de-leonardo-boff -Acesso em:03.09.2023

2-(...) "o que singulariza o caminho aqui descrito é em grande parte a certeza de não podermos continuar recorrendo unicamente ao ponto de vista científico-intelectual, mas de que o nosso compromisso também compreende todo o lado do sentimento, isto é, a totalidade das realidades contidas na alma- já que lidamos com uma psicologia fundada na vida real e que age sobre a vida real.(...) Quer queiramos, quer não, mais cedo ou mais tarde o fator cosmovisão terá que ser levado em conta, porque a alma está em busca da expressão de sua totalidade." in Palavras Finais do livro Psicologia do Inconsciente de C. G. Jung, tradução de Maria Luiza Appy. Editora Vozes Ltda. 4ª edição, Petrópolis,Rj. 1985

3-A proeza de ser independente – filhos criados sob o narcisismo dos pais de Patricia Moura Vernalha- Blog do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa-IJEP-11.07.2023- https://blog.ijep.com.br/a-proeza-de-ser-independente-filhos-criados-sob-o-narcisismo-dos-pais/- Acesso em:27.08.2023

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Bibliografia sobre individuação:

1- Jung Carl Gustav - O homem e Seus Símbolos - Rio de Janeiro : Ed. Nova Fronteira. Edição Especial Brasileira .

2- Jung Carl Gustav - Aion - Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis, RJ: Vozes, 5ª edição, 1998.

3 - Jung Carl Gustav  -Tipos Psicológicos- OBRAS COMPLETAS DE C.G. JUNG VOLUME VI - Petrópolis. RJ: Vozes, 1991

4- Jung Carl Gustav - O Eu e o inconsciente- Petrópolis, RJ: Vozes, 1987

5- Jung , Carl Gustav - Psicologia e Alquimia- Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

6- Jung , Carl Gustav - Psicologia do Inconsciente - Petrópolis, Vozes, 1980

7- Jung, Carl Gustav - Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo - Petrópolis, RJ:Vozes, 2000.

8- Jung, Carl Gustav - Estudos Alquímicos - Petrópolis, RJ:Vozes, 2003

9- Marie Louise Von Franz - Psicoterapia - São Paulo, Paulus, Coleção Amor e Psique,3ª edição, 2011

10 - Maroni, Amnéris - Figuras da Imaginação - Buscando compreender a psique. São Paulo: Summus, 2001

 


Fotomontagem por Verônica Maria Mapurunga de Miranda

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