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2- NOS REINOS DA ALMA - O RESGATE DO SER HUMANO MODERNO (VEJA ARQUIVOS) |
A colocação desse texto que é uma pontuação de James Hillman sobre a questão central da Psicologia Analítica e do pensamento de Jung é fundamental para nos situar sobre seu trabalho. Tive meu primeiro contato com livros de Jung nos anos 90 do século passado. Na Universidade havia estudado uma quantidade de linhas psicológicas, das antigas às da época e psicologia da educação, mas Jung era totalmente desconhecido na época, na universidade em que estudei que era das melhores do Ceará - UFC. Eu não era especificamente da área de psicologia, ainda que tivesse cursado várias disciplinas e não havia ainda essa troca de informação viabilizada pela internet e aldeia global. E a primeira referência que tive de Jung foi no médico homeopata, com quem me tratava. Havia começado a trabalhar com arte, descoberto um mundo completamente diferente e para mim era tudo muito novo, as imagens que surgiam e que me faziam sonhar bastante. Tinha entrado em um mundo simbólico que desconhecia e que parecia uma aventura, por se constituir de aspectos que eram muito gratificantes, mas por outro lado muito enigmáticos e desconhecidos para mim. E comentando com o médico, ele disse: Quem trabalha muito com essa questão de arte e de símbolos é o Jung. Talvez ele lhe dê alguma pista do que você está necessitando. E eu fui a uma livraria que freqüentava e me deparei com o Homem e seus Símbolos, um dos últimos livros organizados por Jung. Logo que o folheei fiquei encantada com a edição do livro, as gravuras e alguns textos que vi de relance. Não parecia livro de psicologia, pelo menos não da psicologia que eu tinha visto até então. Depois lendo mais atentamente vi que era um livro para o grande público, com uma linguagem mais acessível. Levei em minha bagagem e comecei uma leitura que me deixou encantada. Parecia que algo em mim tinha sido tocado e que eu descobria aspectos de mim jamais imaginados e como me sintonizava com tudo aquilo. Era como se fosse uma extensão da arte que tinha começado a fazer e com a leitura do livro passei a ter mais elementos e compreensão de um mundo inteiro desconhecido e que se descortinava. Eu que sempre estava trabalhando com a função pensamento, sem me dar conta, porque não conhecia nada disso. Minha alma era desconhecida, e naqueles momentos, assim como tantos que começam a exercer outra direção da consciência, estava tomando ciência dessa realidade.
E foi um período de encantamento e descobertas que logo se aprofundou e em conjunto com uma quantidade de fatos me levou a uma crise. De fato, aí estava realmente entrando em terreno desconhecido e tomando conhecimento das sombras. E depois de um período de experiências profundas e também de psicoterapia, que não era junguiana, reiniciei minha jornada. Uma transferência negativa muito forte não me deixou escolha e tive que deixar a terapia depois de quase dois anos. Já tinha sido advertida por um amigo que havia passado por uma experiência similar em seu processo, de que isso poderia ocorrer, mas eu havia dado um voto de confiança ao processo psicoterápico. E mesmo tendo cumprido partes necessárias ao processo, a psicoterapia tornou-se insuficiente e conflitante com o próprio processo. Com a transferência negativa, a retomada do processo de individuação também foi mais acentuada. O primeiro texto que me chegou às mãos, através da recente internet, e que o brindei ao psicólogo que estava deixando, exatamente na passagem do século (inicio do ano 2000), foi este do James Hillman, que me ajudou a retomar o processo de individuação que já tinha iniciado (e não sabia), com a mudança da direção da consciência para atividades intuitivas, com a arte. Esse processo, de fato já tinha se iniciado quando comecei a trabalhar com a arte. Muitas coisas ocorreram desde então, que não interessam para esse texto, mas na arte que eu fazia já assinalava processos diferentes e que não podiam ser levados adiante com a psicoterapia. Essas reflexões só puderam ser feitas a posteriori, com a compreensão que tive do próprio processo. Na época tudo era confuso e ainda desconhecido.
O texto do James Hillman trazia esse mundo intermediário, que precisava de atenção e de minha dedicação exclusiva naquele momento. E esse mundo já era fato, com o processo de individuação retomado. Já havia um mestre interior desenvolvido, uma presença forte do SELF, com o qual tive que me sintonizar e agradecer por sua sabedoria que orientava o processo. Os livros de Jung foram me chegando de uma forma muito sincrônica, inclusive até em sonhos, enquanto me dedicava também às artes. Ninguém precisa dizer que um processo de individuação é fácil, mas é absolutamente necessário em muitos casos, em se tratando dos seres humanos modernos. E nessas condições que ocorreram eu passei a levar o processo sozinha e sempre com o apoio de meu companheiro, realizando tudo aquilo que o processo me pedia e às vezes exigia. Se tinha conseguido superar a transferência negativa sozinha, podia ir adiante. Não posso dizer que estudei e conheci somente Jung, pois para sair da "ignorância" de mim mesma, que tinha estado até então, com mais de 40 anos de vida, passei por uma outra universidade, mas dessa vez, uma universidade somente minha, ditada por minhas necessidades de aprendizagem e também de autoconhecimento. Aprendi o suficiente para saber que nunca é suficiente, mas durante toda essa aprendizagem e muitas mudanças de rumo Jung foi uma referência extremamente importante e continua sendo. Sempre tinha algo para mim, como uma bússola em alto mar: uma indicação, um sinal, uma crítica, uma novidade, uma compreensão atrasada de coisas que eu já tinha lido e voltava novamente à ele. E destoando um pouco do início do processo, que você pensa que tudo que ocorria era só com você, vamos chegando a uma compreensão, de que aquilo que foi vivido por você é vivenciado por muitos e, apesar de parecer estranho, você percebe que é um fenômeno tão individual, mas ao mesmo tempo tão coletivo no sentido histórico, e que ocorre com muitos seres humanos modernos. É um processo de integração da psique total, necessário aos nossos tempos. O que ocorre muitas vezes é que muitos iniciam uma crise enantiodrômica e por não conseguir entendê-la como uma necessidade, por não conseguir acompanhamento adequado desperdiça a oportunidade da individuação e novamente se recolhe aos desígnios do coletivo, não conseguindo resolver questões básicas e necessárias de resgate da alma ou psique.
No aprofundamento da literatura junguiana e depois com as expressões, comunicações de tantas pessoas, pode-se perceber que Jung viveu para entender e deixar sua contribuição e que esta tem um sentido profundo no mundo ocidental em que vivemos hoje. Ele viveu para que em nossa época pudéssemos nos resgatar e nos integrar de acordo com as necessidades deste tempo. E como comentava em um grupo de debates, ele viveu em boa parte além do seu tempo, para que nosso tempo tivesse essa base de conhecimento e cada vez mais a coletividade tivesse acesso a ela. Vivemos tempos de disseminação de seu conhecimento e de vivências de processos que ele viveu e preconizou. Hoje seus conhecimentos são base importante de muitas disciplinas de estudos, principalmente às que se referem à cultura e autoconhecimento.
Neste texto James Hillman coloca a pedra de toque ao falar da perda desse mundo intermediário da alma, que ele situa em outra parte do texto, como tendo iniciado com o Concílio de Bispos da Igreja Católica em Constantinopla, no ano de 869 D.C e no Concílio de Nicéia em 787 D.C. "Pôr causa daquele Concílio em Constantinopla a alma perdeu seu reino. Nossa antropologia, nossa concepção da natureza humana, passou de um tripartido cosmo de espírito, alma e corpo (ou matéria) ao dualismo de espírito (ou mente) e corpo (ou matéria) . Isto porque, naquele outro Concílio, o de Nicéia em 787, as imagens foram privadas de sua inerente autenticidade." (James Hillman, Id. Ibid. pag. 1)
James Hillman retoma na Psicologia Arquetípica toda uma parte central da Psicologia Junguiana, arquetípica e simbólica, sem a qual é praticamente impossível um processo de individuação. As exigências do reino da alma são grandes e não se realizam sem imaginação, a que ele chama de fantasia. A arte, portanto, é parte essencial do processo. (...) "pois Jung aqui sugere a base poética da consciência, a consciência baseada nos dados primários, que são poéticos ou místicos, imagens de fantasia." (James Hillman, Id. Ibid. pag. 1). E essa base vai perpassando todas as direções da consciência a serem conquistadas e integradas para a auto-realização e constituição do Si-Mesmo. Como ele diz no texto é necessário que a alma possa olhar para o espírito. E a consciência fragmentada ocidental não pode realizar esse feito sem realizar o resgate da alma. Jung nos trouxe de volta essa possibilidade.
Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 01.07.2019 |
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Fotomontagem por Verônica Maria Mapurunga de Miranda |
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