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O olhar do outro ou submodo

Poderia ser uma simples exposição, lugar e ocasião de admirar, criticar, comparar, classificar. Mas logo de saída, nas reuniões com os colegas artistas e os promotores do evento, vi que era um modo(ou submodo?) de sentir o olhar do outro, de partilhar o visível e o aparentemente incognoscível - a arte.

Eu sumida em uma relação de arte, já não era Eu. Estação que me tornei para uma parte minha que pedia passagem, e para uma parte do todo que gentilmente me solicitava albergue, saída, para se apresentar em grande encontro, para me fazer sentir o olhar do outro. Fiz-me maior, cresci na estatura das esculturas, como um desafio que me empurrava para a frente, para o alto.

Trabalhar para o outro enquanto me expressava buscando a síntese de minhas múltiplas determinações, ou de determinação alguma. Criar e saber que partilharia de perto, com outros.

Ao montar as peças na sala ainda vazia, um olhar de colega: passeava com um olhar arguto captando traços, sentindo as cores, procurando influências, querendo decifrar os enigmas. Aqui e ali ia fundo em algo que pensei era eu. Outra observação fazia-me viajar e me juntar com influências outras, desconhecidas,  não percebidas em minha trajetória de vida, e agora ali patentes. Aquele gesto da escultura parecia algo totêmico, aquela boca revelava algo primitivo, quem sabe tribal. Aquele rosto da outra mulher parecia divino. Tão diferentes, mas com um mesmo traço, um tanto expressionista.

Passeava esse olhar, a se debruçar e a tocar algumas das esculturas. Conhecendo-me, enquanto eu me reconhecia através desse olhar.

À noite, na abertura, rostos curiosos, olhares perscrutadores, alguns admirados, pela arte que, apesar de ter sido feita através de mim e de meu colegas expositores, já não era mais de ninguém. Aqui um olhar compenetrado, ali um sorriso de satisfação, mais acolá um olhar de incompreensão. Talvez algo que ficou no ar, ou quem sabe algo que tocou em algum ponto delicado. Alguém descobriu algo sombrio na peça de arte? A arte como espelho da alma, de nossa humanidade, e por que não de nossos submundos interiores?

Solicitaram-me para falar sobre meu trabalho, saí com uma turma que ouvia e olhava atentamente como se quisesse tragar todas as idéias e com o olhar captar todos os sentimentos e significados. Alguém me disse que tinha ficado muito interessado no anjo. Ao explicar que a imagem era do vento em forma de mulher (e por que não vento feminino?) alguém retrucou: e por que não anjo? Certo, a escultura já não era só a minha concepção, era agora também um partilhamento. Alguém queria que fosse anjo. Por que não?

Alguém viu um abraço no meio do fogo de uma escultura, que bem poderiam ser mãos levantadas de desespero, mas foram vistas ali como um abraço, que estava tão dentro de mim, do amor eterno do fogo e do acolhimento que também representava. Alguém viu em mim, no fundo de mim, um abraço de fogo. Partilhei aquela emoção e descoberta no momento.

Alguém quis o Francisco, uma escultura com luz. Tocava-a com felicidade, queria-a, com a mesma felicidade que eu a fiz e da mesma forma como eu a quis, como uma cria de luz. Levá-la-ia para alguém que ficaria feliz em tê-la. Meu coração se alegrou.Vi-me sintonizada nesse olhar, ouvindo mais que falando, sentindo o cuidado e amor  que algumas pessoas devotam pela arte. Em um momento percebi, estávamos um pouco abaixados para apreciar melhor alguns detalhes. A base das esculturas não estavam bem à altura, ou tinha uma criança peixe na escultura que pedia um olhar mais baixo?

Vi alguém que sentiu necessidade de levantar a escultura para olhar embaixo: um olhar descritivo, de quem busca detalhes e acabamentos? Uma moça tinha um olhar curioso e perguntas, enquanto as mãos se moviam como em um comichão, como se quisessem trabalhar. Perguntava-me a técnica, os materiais. Seu olhar era de quem foi despertada e queria fazer esculturas, suas mãos diziam isso.

Alguém quis me encontrar depois, ver meus trabalhos de perto, talvez no lugar de trabalho, outro alguém disse: se eu levar alguma coisa sua sei que estarei levando um pedacinho seu. O contato se aprofundava, a troca não era suficiente em olhar as esculturas, mas na maior convivência ou conhecimento de quem a fez. Nós artistas, estações da arte, onde ela chega por corredores e por eles vai proporcionando um olhar, um encontro, um partilhamento.

O olhar do outro não é bom e não é ruim. Mas, pode ser um partilhamento e um ponto de interseção.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda -11/05/2001

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Aos colegas artistas que partilharam comigo esse momento de interseção, através da arte. Aos promotores do evento(filósofos clínicos), e a Evandro pela lembrança e carinhoso convite.

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  Reflexões sem dor sobre minha participação na coletiva de artes plásticas- DIFERENÇA, no III Encontro Nacional de Filosofia Clínica em Fortaleza-Ce

Veja também na seção galeria, minhas esculturas (4 Elementos) parte da exposição.


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