TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMAS

3 .PARA AQUECER O TEMA "INDIVIDUAÇÃO" E COLOCAR UM PANO DE FUNDO AO DEBATE (VEJA ARQUIVOS)

Aqui algumas reflexões que fiz sobre o tema PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO EM JUNG, para fazer um aquecimento das questões centrais. Toda essa reflexão é resultado de estudos meus sobre a questão e vivências do próprio processo, algumas delas já colocadas por mim no mundo virtual. Portanto, estão aqui como uma pequena síntese do que conheço sobre o assunto. Permito-me colocar o meu próprio enfoque, obviamente que me apoiando também nas contribuições de todos aqueles que vivenciaram e estudaram o processo - Jung e alguns clássicos da Psicologia Analítica. Não tem caráter de formação e significa muito mais um diálogo com as proposições de Jung e divulgação desse conhecimento. A partir daqui é possível depois desenvolver mais o tema e tecer as considerações necessárias, em que farei as citações adequadas. É uma grande quantidade de livros e citações e por isso coloquei alguns pontos para iniciar. Acompanhe.

A partir da visão unilateral do EGO é difícil entender o PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO, vivido e estudado por Carl Gustav Jung. Existe muita fantasia egóica e leituras mal feitas e mal digeridas das obras do grande mestre, que não foram entendidas por pessoas que ocupam lugares de formadores e até têm registros de psicólogos, infelizmente. Nessa área ainda não temos bons profissionais em todos os lugares e a formação nem sempre é boa em todo o território nacional. Uma das principais dificuldades é porque a vivência do processo de individuação é fundamental para seu entendimento. Mesmo que alguém não coloque seu próprio testemunho em um estudo do processo, mas seu processo sempre será uma referência e um guia para a melhor compreensão dos estudos realizados e das várias abordagens.

Das dificuldades que temos também na atualidade, mesmo verificando-se uma quantidade de pessoas em processos de transformação, é que a abordagem de algumas linhas psicológicas, que ainda não se atualizaram e que estão em muitos lugares, não consideram esses processos. E dentre todas as linhas psicológicas que trabalham esses processos de transformação a “individuação” tem a sua especificidade.

Jung o criador da Psicologia Analítica, vivenciou todo o processo e por isso também foi capaz de entendê-lo em seus próprios pacientes e clientes e tornou-se um arquétipo e caminho para os seres humanos ocidentais modernos. Assim também temos vários mestres e psicoterapeutas que foram a fundo na questão, pela vivência e acompanhamento de processos, deixando sua contribuição e abordagem para a Psicologia Analítica.

Com estes nós temos o que aprender, a partir do foco de cada um, já que cada processo é único e resultou em abordagens diferentes e reconhecidas como autênticas contribuições, por quem também viveu e vive os processos.

De cada processo de individuação é possível ter um testemunho, aprendizagem e contribuição para aqueles que estão se iniciando, como parte de um processo de transformação específico e necessário ao ser humano moderno, nesta época de integração. Quem se individua adquire também uma responsabilidade em relação à cultura, ao coletivo, no que se refere à transformação. A conexão que é estabelecida com o coletivo, o inconsciente coletivo e uma psique objetiva, que está além do próprio ego e do subjetivo, gera essa necessidade, que é a finalidade e propósito do próprio indivíduo. Esse propósito emana do próprio processo como uma SEMENTE a ser desenvolvida, incluindo a idéia sempre presente de que quem entra em um processo de individuação vai continuar se transformando e expandindo sua consciência até o fim de seus dias.

É importante saber que muitas pessoas, que não têm conhecimento desse processo, possam estar iniciando ou já ter iniciado algum processo enantiodrômico e, portanto, estar vivenciando as etapas iniciais de um processo de individuação, na forma colocada por Jung. O processo de individuação ocorre principalmente de forma natural. Como um processo enantiodrômico. (veja artigo sobre enantiodromia). Nesse sentido é importante o conhecimento de algumas questões centrais que envolvem o processo, já que ele pode ocorrer com muitas pessoas, que necessitam dessa informação básica.

O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO - NEM BOM E NEM MAU, SOMENTE NECESSÁRIO.

Em todo processo de transformação as pessoas vivenciam experiências de abismos, de morte e renascimento, de isolamento, de grandes sofrimentos, mas também da graça e alegrias inauditas. Sabe isso quem já viveu ou vive o processo.Os processos de transformação, em especial o processo de individuação, ocorrem por uma necessidade da própria psique do indivíduo na época em que vivemos. Será mais leve ou mais profundo, de acordo com a necessidade da própria psique. Não ter conhecimento de que ele está começando ou ocorrendo não livrará a pessoa de suas necessidades ou atuação do arquétipo central – o Self – através de sintomas, doenças, crises, alertando e chamando a atenção do indivíduo para a necessidade de uma compensação da psique.

Aquilo que não foi realizado psiquicamente, pela unilateralidade da consciência e era necessário ao desenvolvimento da personalidade e da consciência, principalmente durante a primeira metade da vida, é cobrado a partir da crise da meia idade ou METANÓIA. E a pessoa passa a vivenciar as necessidades de sua própria psique. Pelas características tão especializadas, verticais, unilaterais e fragmentárias de nossas sociedades e culturas ocidentais já há pessoas vivenciando esses processos antes da meia-idade. É um processo entendido historicamente, pelo próprio Jung, como decorrência da especialização e fragmentação da vida moderna.

Entender e seguir o processo significa se autoconhecer, se estabelecer em outro patamar de consciência, que no início parece difícil e desconhecido, mas com o desenrolar do processo a pessoa vai entender o quanto ele era necessário. Assim tem acontecido com os seres humanos ocidentais modernos nas últimas décadas.
Conhecer e assumir o processo de individuação, e se necessário procurar ajuda nesse sentido, evitará o aprofundamento de neuroses, a instalação de muitas doenças e até psicoses, que ocorrem pela falta de harmonia da psique e que muitas vezes deixa a pessoa completamente dependente de remédios e/ou em depressões profundas. Aquilo que se chama sofrimento e prazer, o bom e o mau também mudam de perspectiva, pois ao adquirir a consciência que emana dos próprios processos de criação da alma, a perspectiva da vida e da existência também vão se modificando.

As opiniões e julgamentos particulares sobre o processo individual de cada um são coisas muito pequenas, diante de todas as conquistas e conhecimento adquirido, e do prazer de ir à sua própria fonte, mesmo que às vezes a pessoa esteja perdendo tudo aquilo que um dia pensou que era ela, pela compreensão pequena do ego (Eu consciente). A pessoa descobre que é muito mais que essa pobre perspectiva. A riqueza é a própria pessoa e seu “ouro” é aquilo que ela aprendeu sobre si e o todo.

O processo de individuação, como um processo de transformação específico inclui tudo isso também. É como uma morte e renascimento em vida. E por isso não pode ser entendido como um processo intelectual, mas como a descoberta do próprio inconsciente para a harmonização, integração daquilo que é necessário à psique ou alma e a própria auto-realização do indivíduo.

Jung foi um pioneiro desse processo e por isso o viveu de uma forma mais profunda e radical para nos deixar o seu próprio legado de conhecimento. As pessoas são chamadas a vivenciar aquilo que têm condições de suportar, porque envolve a integração dos opostos e a tensão que isso gera no processo. Mas não fazê-lo, se há um chamado do próprio inconsciente, pode significar ter que viver anestesiado com remédios, consumismo, drogas, alcoolismo, as “loucuras” da vida moderna e falta de harmonia interior.

REPETINDO ALGUNS PONTOS QUE EU COLOQUEI EM DEBATES:

-Segundo Jung ninguém entra em processo de individuação por sugestão ou porque algum psicólogo ou terapeuta indicou. A individuação ocorre por uma necessidade do ser humano moderno fragmentado, que necessita se recompor em sua inteireza e totalidade à medida que se encaminha para a morte. Por isso ocorre muito na metanóia, crise da meia idade, mas também hoje ocorre mais cedo pelas necessidade geradas de integração do ser humano fragmentado. Há necessidades prementes, hoje, dessa integração e reunião dos cacos. É uma necessidade da própria psique, que em geral ocorre em um processo de enantiodromia, uma crise que faz o indivíduo vivenciar aquilo que não pode desenvolver e vivenciar em sua trajetória de vida, no desenvolvimento da personalidade e de amadurecimento do ego. Nessa crise ele começa a vivenciar o seu contrário, é um processo de integração dos opostos. Aqueles aspectos que eram necessários a si mesmos e que não foram desenvolvidos. E por isso o processo é variável e único, apesar dele (Jung) ter identificado algumas etapas de um processo que é alquímico.

- Pode ocorrer em algumas pessoas como sintomas, acidentes, que geram necessidades e perspectivas diferentes de vida, em uma transferência negativa durante uma psicoterapia, por exemplo. É um processo energético, orientado pelo SELF, arquétipo central da psique, que comanda a energia psíquica. Ele pode ser mais leve ou mais profundo. Vai depender da história de vida e necessidades de cada indivíduo. Eu acho que dos maiores problemas é a pessoa entrar em uma crise enantiodrômica e não saber o que está ocorrendo e ser mal orientada para isso. Perde a oportunidade de se resgatar e muitas vezes fica entregue a remédios e neuroses que se aprofundam. Daí a necessidade de divulgar Jung, para que as pessoas entendam o que está ocorrendo consigo e possam buscar ajuda ou possam se entender melhor.

- Independente de acontecer uma enantiodromia, o que pode substituir os ritos de passagem não existentes na sociedade e cultura ocidental e as dificuldades da unilateralidade, é o processo de autoconhecimento, que é preconizado em várias vertentes espirituais e psicológicas, inclusive na junguiana. O aprofundamento do autoconhecimento em dado estágio pode gerar a enantiodromia, se for algo necessário e o self estiver desperto. À medida em que entramos em contato com o inconsciente a energia psíquica se desloca, exige compensações e nesse caso o Self começa a atuar. Em alguns casos talvez não seja necessário esse processo específico de individuação, pode ser outro processo de transformação. Um bom psicólogo junguiano pode saber isso. De qualquer forma, sem um processo natural de individuação, da forma explanada, é possível o processo de autoconhecimento, que leva a uma transformação do indivíduo e harmonização interior. James Hillman trabalha muito com a questão de criar alma, a alma perdida pelo ser humano moderno. É um enfoque importante.

- Em geral não considero muito adequado usar a expressão "adoecimento psíquico" para um início de individuação, porque doença é algo que traduz patologia. Mas, nesse caso, indo mais profundamente nos conceitos junguianos patologia é viver a unilateralidade da consciência, que se traduz em nossa sociedade e cultura na frase da canção: “Ta todo mundo louco. Oba!”. No momento que a unilateralidade da consciência não dá mais conta, os sintomas que aparecem são do próprio Self, arquétipo central, mandando uma mensagem. E neste caso essa mensagem é parte de uma parte saudável da psique, que quer resgatar a pessoa. Muitas vezes as pessoas têm "adoecimento psíquico" de outra ordem, que não é individuação. São processos neuróticos profundos e até psicóticos. Na individuação ou no processo enantiodrômico a libido (energia vital) se desloca e a pessoa passa a buscar um novo sentido e significado para a vida. Alguns entram em depressão, outras sentem tédio e vazio e falta de comunicação com sua própria alma. Deixam amigos de longa data, mudam de profissão, entram em processos introspectivos, sentem dores no corpo e outras questões psicossomáticas e por aí vai. Toda aquela energia que estava em função de uma dada direção da consciência não serve mais. A pessoa sem saber está necessitando de sua própria alma ou sua plenitude.

O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO É CIENTÍFICO, RELIGIOSO, POÉTICO, ESSENCIALISTA?

Posso começar a dizer que o Self, arquétipo central, quando move e tenta redistribuir e organizar a libido, a economia da energia vital de um indivíduo, não está interessado nesse tipo de debate, mas de recompor e resgatar o indivíduo de sua unilateralidade, restabelecendo o seu fluxo energético. E tudo isso é um movimento que parte do inconsciente, tentando recolocar tudo aquilo que o indivíduo não conseguiu desenvolver e harmonizar em sua psique. Agora é hora de caminhar para sua própria casa, sua fonte.

Eu, sinceramente acho que pela amplitude do movimento que é a individuação, que a consciência que se cria com o processo é uma consciência mística, poética e transpessoal, que incorpora uma ciência que não é positivista e que vai muito mais em uma direção da física quântica. A reconstituição da alma ou da psique vai em uma direção de inteireza, de totalidade e à medida em que a própria consciência se expande as fronteiras entre ciência, espiritualidade, consciência poética e mística tornam-se integradas. E esse é o movimento da consciência rumo à consciência cósmica, colocada por Jung nos estudos alquímicos e recuperadas por Erich Neumann, pelas características de totalidade e de integração da natureza, ainda que saibamos que nem todos terão tempo ou necessidade de realizar todo o processo.

Os processos de individuação são particulares, únicos e intransferíveis, porque trata-se de buscar o ser humano naquilo que ele é, em sua verdadeira face. E isso em uma dada interpretação pode ser chamado de “essência”.

Uma coisa é o processo de individuação e outra é a Psicologia Analítica, ainda que Jung tenha descoberto o processo na formação dessa disciplina, que o tem como espinha dorsal de sua base científica. Para manter o status de Ciência, porque como seus aportes científicos atraíram teólogos, místicos, artistas, filósofos, pela abrangência do seu pensamento e conhecimento, ele teve que colocar limites e fronteiras científicas ao seu trabalho.

O principal movimento da individuação que é ao mesmo tempo a pessoa se diferenciar do coletivo e tornar-se si mesma, é a relação estabelecida com o inconsciente e o Self. Através dessa relação, do conhecimento das sombras, dos arquétipos centrais, da relação com os complexos, da diferenciação das funções psicológicas em uma relação ou diálogo estabelecido com o Self, o indivíduo recolhe seus próprios fragmentos em direção à  integração da personalidade total. É chamado comparativamente ao processo alquímico, de Solve e Coagula, porque há um movimento de dissolução daquilo que não serve à personalidade total e que esteve aí por condicionamentos sociais, culturais, máscaras, heranças filogenéticas e pela reintegração dos fragmentos que ficaram perdidos no processo de desenvolvimento do indivíduo e que são necessários à personalidade individual.

Esse processo, que é um processo também de criar alma, envolve a totalidade da psique tornando realmente difícil fazer uma separação daquilo que alguém poderia chamar de científico, poético, místico. A alma é uma totalidade e por isso não cabe em caixinhas e é em torno dessa totalidade que ela vai se formando. Portanto, a visão do processo de individuação não pode estabelecer fronteiras e ter uma visão demarcatória do que seja ciência, consciência poética, ou mística e integra também aquilo que é o inconsciente coletivo. A visão da psicologia do inconsciente, nesse sentido é integradora e não fracionada. O fracionamento é sempre uma visão egóica, que tem sempre a necessidade de estabelecer divisões.

Essa é uma das dificuldades encontradas por aqueles que se aventuram a estudar a psicologia analítica sem estar envolvidos em um processo de individuação ou pelo menos de autoconhecimento. O ego tem seu papel definido no processo, mas a visão egóica vai perdendo o sentido à medida em que se constitui um espaço de denominador comum entre inconsciente e consciente, constituindo o si-mesmo. O processo de individuação é um processo de constante expansão da consciência e nesse sentido ele não pode ser fracionado.

Pelas limitações dos próprios enunciados científicos essa expansão da consciência muitas vezes vai estar mais próxima de uma consciência mística ou poética. Hoje com a física quântica e o advento da psicologia transpessoal a ciência pode acompanhar esse movimento de expansão. Os enunciados científicos ligados a uma ciência positivista (leia-se Kant e outros) na qual Jung se embasou para o início do seu trabalho acabam por isso perdendo força nas explicações do processo. Todos aqueles que expandem a consciência em um dado nível sabem que essas fronteiras vão caindo e isso significa integração e por outro lado se chama liberdade.

Os profissionais da psicologia necessitam desse estofo teórico-científico para exercer suas profissões, mas aqui fica também a advertência: Em um dado ponto esses limites são prejudiciais ao próprio processo.Saber aproveitar a abertura das proposições de Jung e das contribuições posteriores com suas inúmeras relações com a ciência, espiritualidade, arte, filosofia, alquimia é o que nos torna mais afinados com o próprio processo de individuação e suas necessidades.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda -19 e 20 de julho de 2019.
 


Fotomontagem por Verônica Maria Mapurunga de Miranda

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