TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMAS

O NOVO FEMININO

       E 

         FEMINISMOS

 

AQUI É UM ESPAÇO PARA REUNIR COMENTÁRIOS E REFLEXÕES QUE VENHO FAZENDO NO MUNDO VIRTUAL SOBRE ESSA QUESTÃO QUE SE INSCREVE NOS NOVOS PARADIGMAS E QUE DIZEM RESPEITO ÀS PRINCIPAIS MUDANÇAS DESTE SÉCULO QUE JÁ FORAM INICIADAS. O QUESTIONAMENTO DA SOCIEDADE E CULTURA PATRIARCAIS, COM O SURGIMENTO DO NOVO FEMININO E DOS FEMINISMOS ATUANTES. SÃO ARTIGOS DE OUTRAS SEÇÕES DO SITE, BEM COMO DE COMENTÁRIOS E REFLEXÕES AQUI DESENVOLVIDOS SOBRE O TEMA. - VERONICA MARIA MAPURUNGA DE MIRANDA -16.06.2019 -    


ESPAÇO DAS MULHERES NA SOCIEDADE E CULTURA PATRIARCAL

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Essa frase me pegou quando me aproximava do dia 8 de março, porque uma mulher me disse: Mas as mulheres estão conquistando mais espaço na sociedade. E de repente me parecia que estava escutando um homem falar. É uma frase muito repetida e de tanto se repetir as mulheres ficaram repetindo, sem perceber que essa frase é muito suspeita, patriarcal mesmo. Ora, se as mulheres são as portadoras do Green Card para a existência dos seres humanos no planeta terra, por que estariam conquistando espaço? De fato, ninguém chega ao planetinha azul se não for através do ventre de uma mulher. Essa doadora de espaços para os humanos. Até mesmo o Papa Francisco reconheceu isso, há pouco tempo atrás, ao dizer que a mulher era a geradora da humanidade e por isso não podia sofrer violências machistas. Se pensarmos bem, a mulher é geradora de uma humanidade que está em sérios riscos, por não saber viver harmonicamente nem com a própria mulher que lhe gerou, nem com o restante da comunidade da vida. Essas são questões muito relacionadas e se constituem fatos.

Teci então, uma quantidade de comentários sobre a questão, e dentre eles o fato da terra ser um arquétipo feminino em todas as culturas do planeta, sendo considerada por muitas culturas como a mãe terra e agora a ciência descobriu por fim, que a terra como diziam os povos originários, Lynn Margulis e James Lovelock é mesmo um ser vivo. Gaia como muitos a chamam é uma complexa rede de vida da qual fazemos parte e as mulheres com ela gerando vidas em seu ventre. Então, as mulheres estão no seu espaço, não estão necessitando conquistar espaço.  A afirmação primeira, então, é mentirosa e se deve sobretudo ao fato de historicamente terem se criados espaços de poder masculino, definido como o patriarcado. Não vou me alongar nessa questão, a não ser para dizer que  ele como espaço de poder está fazendo água, está sendo questionado pelas mulheres em uma nova fase, em que as energias que chegam a esse planeta estão mostrando o quanto a energia yang e seu uso abusivo está saturada e pode destruir aquilo que chamamos humanidade. Bem no início deste século chegou às minhas mãos o livro Ponto de Mutação de Fritjof Capra. E não por acaso, mas por absoluta sincronicidade, considerando as revoluções pessoais pelas quais passava. Eu e quase toda a torcida do Flamengo pelo mundo inteiro, porque, de fato, agora sabemos, muitas pessoas estavam se dirigindo a esse ponto de mutação e para a necessidade de outra perspectiva. Sua linguagem assinalando mudanças pelas quais estávamos passando e passaríamos no planeta terra confluía com a idéia de novo éon de Carl Gustav Jung. A retomada do feminino e da natureza eram as grandes estrelas para a nova fase da humanidade que se anunciava.

Mas, para isso duas condições básicas têm que ocorrer: Uma a quebra do patriarcado e a outra a débâcle do sistema capitalista, pois os dois nesta etapa que vivemos estão juntos. Entretanto, as rachaduras dessa composição ameaçam a extinção de boa parte da população, com violências, redefinição do sistema capitalista, doenças, pandemias e agora uma possível e catastrófica guerra . Tudo isso conseqüência desse dueto, que ocorre em nível global. O sistema patriarcal (são homens no poder beligerante) e de dominação imperialista chegaram a um ponto de saturação. Há quem chame isso de "destruição criativa do capitalismo". E não é possível atualmente destruir o capitalismo, sem também destruir o patriarcado. Os dois se tornaram unha e carne. Há cientistas e espiritualistas dizendo que o tempo e o espaço que vivemos existem porque nossa consciência se projeta dessa forma. Mas, a História em permanente movimento e transformação indica que eles estão sempre sendo recriados por essa consciência em práticas humanas e sistemas que em algum momento colapsam. Vivemos a grande aventura, nestes tempos (e esta década é crucial) de fazer colapsar e criar as bases de algo diferente, que dê suporte a uma nova civilização, à novas práticas mais orgânicas com a evolução da terra, que entronizem um novo espaço-tempo capaz de albergar essas mudanças. Dentre elas a redefinição e novo status do "feminino" e de uma visão mais cósmica.

Mas, há menos de uma semana do 8 de março, dia internacional da mulher, criado para questionar a sociedade e violência patriarcal e reclamar os direitos das mulheres, um fato chocou a cidade de Buenos Aires na Argentina. Uma violação grupal de seis rapazes a uma moça jovem, em plena luz do dia, no bairro de Pallermo, em uma rua movimentada da cidade. Do que se deduz dos noticiários e jornais a violação grupal foi premeditada e organizada pelos seis jovens, que não tinham antecedentes criminais, alguns deles universitários, de esquerda e que portavam maconha e LSD, que usaram para drogar a jovem, para que ela não pudesse reagir ao crime. A violação à jovem, que tinha ido dançar com amigos e estava sozinha esperando o ônibus para voltar para casa quando eles a pegaram, foi realizada dentro de um automóvel. Enquanto três violavam a moça, outros três tocavam guitarra e cantavam fora do carro para distrair as pessoas e não dar na vista, esperando sua vez. Um casal, donos de uma padaria próxima ao local do crime, percebeu algo estranho e foi checar, avisando à polícia e aos vizinhos, que não deixaram que os rapazes fugissem, enquanto socorriam a moça. Essa violência chocante acendeu um debate grande em Buenos Aires sobre a violência, o poder patriarcal, os espaços da mulher, o significado da impunidade desses atos, com passeatas dos grupos feministas, acompanhamento de jornais e tvs, redes sociais e da representante dos direitos das mulheres no governo da Argentina, além do debate de mulheres intelectuais, sobre as formas de poder e controle do corpo das mulheres na sociedade e cultura patriarcal. A cultura do estupro e sua impunidade no universo masculino  e o pouco espaço livre que as mulheres possuem nessa sociedade patriarcal. O ocorrido poderia ter acontecido com qualquer mulher.

Esses fatos e outros não tão recentes, como a invasão do Capitólio nos Estados Unidos, no inicio do governo Biden, (que fez a deputada Ocasio-Cortez se trancar em seu lavabo, com receio de uma violência sexual, já que os invasores do Capitólio predicavam o estupro como um direito dos homens e ela já tinha sofrido uma agressão sexual)  me trouxeram lembranças antigas a mim contadas. Uma delas na pequena cidade em que nasci. Um pai preocupado com a filha, porque o namorado a levava para namorar em uma praça um tanto escura e que segundo diziam, de acordo com a moral local, as moças ficavam mal faladas. Ele então conseguiu um mediador para falar com o pai do rapaz, para que seu filho não levasse mais sua filha para aquela praça. O pai do rapaz respondeu: "Pois diga lá para o pai da moça que ele prenda suas vacas, porque meus touros andam soltos." E podemos pensar que essa demarcação de espaços, em que as mulheres tinham que ficar presas como as vacas para os touros ficarem livres e cobrirem as vacas quando quisessem era uma metáfora de uma sociedade rural, atrasada de um dado ponto de vista do "progresso social". Mas, qual o que (como diria Chico Buarque de Holanda em Com Açúcar e com Afeto), em pleno século XXl, na capital sul americana que reclama progresso social e estilo de vida europeu, com mulheres conscientes, uma mulher não pode pegar sozinha um ônibus em plena luz do dia, que seis touros de uma vez (para acompanhar a metáfora), querem lhe tratar como uma vaca que não pode andar livre e sozinha. E fica a pergunta: Em que o "progresso social, o desenvolvimento do capitalismo e da civilização ocidental moderna conseguiu mudar a condição da mulher no patriarcado? Parece que o patriarcado tem mesmo que se acabar.

E pensando nisto vieram outras lembranças do final da década de 70 do século passado, quando ainda universitária e participante de grupos feministas e de estudos da condição feminina na sociedade, época de muitos questionamentos feministas, tivemos um seminário na universidade, de um reconhecido educador cearense, que criara um método de educação diferente e especial para as crianças. Depois de um tempo da palestra ele entrou no tema do feminino e muito "gaiato" e grosseiro como eram (muitos ainda são) os homens dessa parte do nordeste do Brasil disse: E as mulheres que agora estão saindo do choco...Nessa época o paradigma era a mulher sair do lar para o mercado de trabalho. Houve assim um silencio grande na platéia e eu vi várias mulheres se levantarem e saírem do auditório. Uma professora, colega do grupo de estudos feministas disse: Tu vais ficar na palestra, com esse homem que disse que as mulheres estão saindo do choco? Eu disse: Eu vou ficar porque quero saber onde ele vai chegar. Mas, quando ele percebeu que sua piada tinha sido mal recebida ele mudou de assunto. O certo é que essa memória me voltou por algo. Talvez porque a palavra choco possa significar incubação para a geração de alguma coisa nova, mas também possa significar uma certa dormência que vive ainda uma quantidade de mulheres que não despertaram para a necessidade dessas mudanças do sistema patriarcal. Quando uma mulher diz que tem o feminino em seu lugar, como uma forma de questionar as ações feministas é bom que saiba, que desperte e que tome consciência, que esse feminino no seu lugar é o lugar que a sociedade e cultura patriarcal deram a mulher, demarcando territórios de poder, impedindo as qualidades do verdadeiro feminino, que somente as mulheres podem resgatar e construir.  Uma vez uma mulher não gostou porque eu falei que se a maioria das mulheres tivessem consciência da situação da mulher no sistema patriarcal já tínhamos mudado esse sistema. Ele não vai mudar através dos masculinos, ainda que já estejam surgindo os adeptos de novas masculinidades e o questionamento das relações heterossexuais na forma posta no patriarcado.

A questão crucial do feminismo é a necessidade de autoconhecimento por parte das mulheres, que possam torná-las definidoras de novas práticas sociais e tenham condições de questionar a cultura patriarcal, vertical, colonial, aportando novos valores para a sociedade e cultura. Os parâmetros do que seja o novo feminino que está se gestando vai sair sem dúvida dos movimentos femininos e feministas, da criatividade das mulheres em um processo de construção histórica, em que a pluralidade, a horizontalidade e luta contra esses "mandatos de poder" masculinos devem ser mantidas, mas procurando pontos de consenso e confluências, inclusive com as novas masculinidades. Não se pode mais aceitar que a sociedade patriarcal, ou homens que a representem em suas instituições decidam o que é o novo feminino, ou qual é o lugar da mulher na sociedade que em meio a colapsos está se gestando. A violência contra as mulheres, como um canto de cisne do patriarcado, recrudesceu e as mulheres não podem construir racionalidades para compreender as ações violentas masculinas (como dizer que a violência é parte de uma fratria masculina, que os homens a praticam para serem aceitos nela e serem considerados homens),  sem correr o risco de justificar ações violentas injustificáveis. Neste caso, não temos que ser compreensivas além da conta, não esquecendo que somos seres humanos, pessoas, com direito à integridade fisica, psicológica e espiritual e tudo aquilo que vai em direção contrária e que pode causar danos deverá ser severamente punido. Nos últimos anos os abusos sexuais, de poder e violências contra a mulher nas instituições do patriarcado têm sido questionadas e vieram à lume uma quantidade enorme de abusos e violências em todas as áreas (religiosas, das profissões que exercem o cuidado, como saúde, educação) decorrentes de uma estrutura de poder desigual, de uma hierarquia vertical que não comporta o feminino.

Os espaços da sociedade precisam ser reconstituídos em novas formas de relações mais horizontais e em novas formas de poder em que a soberania feminina trace uma nova ética, mais compatível com as necessidades de mudanças e com os novos paradigmas. O novo feminino é um novo sol para a construção de outra civilização planetária, sobre as cinzas das atuais que estão entrando em colapso. Viva as mulheres e o novo feminino!

 

Verônica Maria Mapurunga de Miranda.- 08.03.2022

 

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