Impressões Digitais sobre A COPA

Na final, com torta de maçã e porco à brasileira... ou Brasil pentacampeão, o que faremos com mais uma estrela?

 Depois de tanta energia gasta e canalizada chegamos ao final da copa. E algo segredava em meu ouvido "nada de entregar o jogo no primeiro tempo". Corri para pegar um texto do Norbert Elias - Os alemães - na tentativa de entender o que nos aguardava, ou o que os alemães guardavam para nós. Lendo o texto fui caindo de repente na realidade sombria alemã do século passado, em que o habitus alemão(conceito de Norbert Elias) ocasionou divisões, genocídios, nazismo e tantos outros ismos. Uma nação bem do centro europeu considerada "civilizada", que poderia ser a ponte de um continente acabou sendo a cisão de dois mundos, trazendo traumas indeléveis para toda a humanidade. O sombrio e o inconsciente, agora usando conceitos mais junguianos, perpassaram todos esses "feitos", e hoje podemos perfeitamente perguntar: o que acontecia com essa população  que aderiu às brutalidades, às intolerâncias, aos genocídios? Para onde foi sua razão ou aquilo que se considerava "civilização"? E nós, onde se encontram as barbaridades que a nossa "civilização" esconde?

Fui caindo em um vazio, que anunciava algo importante, quem sabe uma vitória ou uma derrota, ou ainda uma revelação. O silêncio das expectativas aumentava e o caudal de forças e energias que se espargiram durante o período da Copa de Futebol 2002 começaram a se deslocar. Pensei: melhor ir para a culinária. E acabei, na véspera da final Brasil x Alemanha, me encaminhando para o preparo lento e delicado de uma torta de maçã. Nada tão somente alemão, mas universal e sábio, já que a maçã é o fruto do conhecimento que nem sempre deve ser comido cru, e bem preparado em uma torta é palatável para todos os gostos. 

A serpente me dizia - e olhe que ela só fala para mulheres desde o tempo de Eva e Adão - que aí estava o segredo. Ao término de tal tarefa e dos olores deliciosos vindos da torta previ a vitória...e o problema central - Brasil, o que fazer com mais uma estrela, para não cair novamente na divisão e corrermos os mesmos riscos dessas "civilizações" e de vivermos tempos "sombrios"?

O que fazer com toda essa energia que se soltou em alegria, emoção, que dizia "sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor."? O que fazer com a liberação de um inconsciente individual e coletivo  dos brasileiros que redescobriram, nesse breve tempo, os afetos, as identidades nacionais, regionais e mais. Os homens choram a todo momento, dedicam vitórias às suas amadas e famílias, rezam ajoelhados em campo, reverenciam a bandeira brasileira, buscam as raízes culinárias, artísticas e culturais em geral, num encontro dançante e brincante do Arroio ao Chuí. Os assaltos diminuem (penso que os assaltantes estão torcendo pela seleção e não querem atrapalhar o momento mágico). A alma se solta e fica inteira, por pouco tempo, por jogos. Algumas histéricas e outras nem tanto(risos).

Esse sentimento que é de unidade, mas que admite as multiplicidades de uma cultura diversa, de um cadinho cultural que se constrói dia-a-dia e que não comporta supressões, fez-me perguntar : para onde esse sentimento vai quando tudo isso acaba, "quando chega a quarta-feira", como no carnaval?

Somos campeões no futebol sim, e muita energia é canalizada para isso, e muita alma, emoção e vibração é colocada nisso. O que nos impede de pegar com a mesma garra, com a mesma energia, os problemas que ora nos afligem como nação, como povo, país e continente? O que nos impede de sermos campeões em empregos, em renda menos concentrada e mais justa para a nossa população, em educação adequada e que responda às necessidades do nosso povo? O que nos impede de parar esse processo econômico crítico que nos levará à situações terríveis e de clamor social, já verificadas em nossos países vizinhos e irmãos? O que nos impede de lutar por um lugar mais justo no planeta terra, transformando esse nosso Brasil em um lugar cada vez mais livre e sadio de se viver?

Nós brasileiros precisamos dessa vitória não como circo, para tirar as tristezas e fazer a população esquecer sua difícil situação econômico-social e  suas desditas, mas de uma estrela de verdade, que canalize essa energia vibrante, criatividade e  cultura maravilhosa de nossa população, mostrando que somos capazes de mudar nossa história, tendo uma participação efetiva em todas as questões que pairam sobre nossas cabeças. Essa "alma" pode ser colocada para fora também em outras esferas, não só no futebol, e de uma forma alegre, brincante e vibrante, sem medo de ser feliz. 

Essa estrela precisa brilhar. A serpente da sabedoria, através daquela bela torta de maçã, me segredou mais...E eu saí cantando: lá, lá,lá... é a esperança...

Depois de tudo, e para comemorar, fui comer umas deliciosas bistecas de porco à brasileira, com uma cervejinha gelada, porque ninguém é de ferro.

Brasiiil, te aguardo nas próximas...E breves!!!

Abraços

Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 30/06/2002

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