Impressões Digitais sobre A COPA

A pizza cearense ou Será que a Itália vai deixar a final da Copa se transformar em pizza?

Pensei numa comida cearense pra esse jogo do Brasil com a China. E que coisa estranha, pois me veio à cabeça pizza. Percebi a contaminação das idéias, das invasões e inversões culturais. Mas tudo pode ser explicado. Já houve tempo em que a pizza era italiana e cá pra nós paulistana. Uma vez, quando estava em São Paulo, um amigo meu do Ceará disse de cá: quando voltar traga algo típico de São Paulo pra mim. Eu procurei na minha mente rapidamente no cadinho cultural que é São Paulo, algo típico, e saiu de uma forma quase reflexa: só se eu levar uma pizza. 

Mas, hoje tem guia turístico cearense jurando que a pizza é coisa de cearense e provando através de dados empíricos, que  muitos dos grandes pizzaiolos brasileiros são do Ceará. E qualquer turista poderá observar em cada quadra da cidade de Fortaleza, de duas a mais pizzaria, além das invenções da pizza de sururu, pizza de charque na manteiga da terra, que se pede através dos disques-pizzas, moto-pizzas e outros-pizzas. Acredite se quiser.

Mas já vão longe os tempos - década de 70 do século passado- que aqui chegou a primeira pizzaria dita italiana-A Casa d'Itália, na Av. 13 de Maio. Eu era adolescente, nos meus 15 ou 16 anos, e passando férias em Fortaleza fui convidada pra prestigiar tal estréia e conhecer a tal pizza.Não tinha muito a ver com as pizzas de hoje, nem com as paulistanas, e acho que muito menos com as italianas. Mas um português conhecido meu, dizia na época que preferia a pizza da Casa d'Itália, pois eram mais fofas. "As de Itália eram muito secas". Mas português e brasileiro gostam de opiniões originais sobre as coisas, e hoje já se sabe que as parecidas com as italianas são as preferidas.

 Mas naquela época pra comer a pizza tinha que se usar maionese e ketchup. De outra forma parecia estranha, e era. A mais pedida era um tipo calzone, mais parecida com torta e adaptada ao gosto cearense, iniciante nessas matérias italianas. Ainda passou algum tempo, até os finais dos anos 70 do século passado, para se ter uma pizza mais parecida com a atual. Era a pizza da churrascaria e pizzaria Sorriento na Beira-Mar, mais seca, mais fina e com temperos mais italianos. Mas se costumava ouvir na mesa do lado: "Por favor, diga na cozinha que não coloque este tal de orégano na minha pizza."

Antes disso, porém, conheci, já universitária e de residência fixa aqui na capital, a mais cearense das pizzas-a pizza da Di Kaura. Acho que se escreve assim. Se você é cearense de minha geração ou um pouco mais velho não negue, por favor. Ninguém conseguia resistir, depois que saía de alguma sessão ou programação no Teatro José de Alencar, de passar na Di Kaura, na rua Senador Pompeu. Pizza para viagem, ou vendida em fatias ali na hora. O lugar era bem estreito, ficava-se em pé esperando, e com certeza a saúde pública não passava por lá há muito tempo. 

Mas, nossa concentração era no grande forno às vistas, de onde saía a fumegante pizza que mais parecia uma Quiche Lorraine cearense. A massa parecia um pão e a cobertura praticamente fundida em alto grau era de autêntico queijo "de coalho" cearense. Não se falava praticamente em mussarela. Tempero italiano, então, era infração. Matéria estranha e desconhecida. Muitos cidadãos decentes e conceituados pais de família saíam de seus trabalhos e repartições públicas e passavam na Di Kaura, para levar a torta, digo a pizza, ainda fumegante e toda cortadinha em fatias, para a alegria de toda a família. Quem conseguia resistir à famosa pizza da Di Kaura? Ainda mais sendo tão cearense?

Agora percebo que todo esse espaço para a pizza não é só pelo Ceará, mas pela preocupação com a Itália na Copa. Estava quase certa que ela se enfrentaria com o Brasil na final. Um encontro entre uma seleção imprevisível (Brasil) e uma esperta (Itália). Bom, da imprevisibilidade (e por que não também criatividade? ) dos brasileiros todo mundo já sabe, ou pelo menos desconfia. Pois não vamos negar a esperteza e criatividade dos italianos que pegaram o macarrão que era chinês e o tomate que os espanhóis levaram do Peru e transformaram no famoso, saboroso, tradicional e hoje mundialmente "imperdível" spaghetti al sugo. Um encontro pós-moderno pode crer.

Mas a perda da Itália com a Croácia hoje me deixou  desconfiada. Pergunto-me se ela suportará o tempero apimentado Mexicano. Será que ela vai deixar que essa expectativa da final se transforme em pizza?

Abraços

 Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 08/06/2002

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