Impressões Digitais sobre A COPA

A Malassada... ou Em estória de suspense, mordomo e técnico de seleção serão sempre os

suspeitos

Pois eu lhe garanto que eu esperava maior curiosidade sobre a "malassada". Mas as poucas ou quase nenhuma manifestação a esse respeito me levou a reconhecer a injustiça. A sensibilidade e curiosidade culinária de um Cordon Bleu não teria deixado isso passar em branco, pois a malassada além do mais é histórica e tem raízes, algo muito necessário na época da Copa de Futebol. Desde o tempo em que as galinhas eram fartas nos quintais e o trigo escasso, porque não produzido por essas paragens cearenses, a "malassada" foi inventada. É uma omelete feita com ovos em neve,  farinha de mandioca e o antigo "tempero verde"(cebolinha e coentro).

No século XIX ela chegou a ser muito importante nas refeições da maioria da população cearense. Época em que o próprio presidente da Província do Ceará chegou a aventar a possibilidade de trocar o pão de trigo por um substituto feito com farinha de mandioca, tentando diminuir o grande ônus causado pela importação do trigo cada vez mais cara. O certo é que não emplacou. Mas a malassada perdura até hoje por esse interior cearense. 

O prato tinha lá os seus requintes, o ovo colhido no quintal, de galinha caipira, era de tamanho único e gema amarelinha. A farinha não vinha torrada em saquinho, mas pura, fresca e cheirosa, com a origem bem conhecida -as próprias casas de farinha do lugar. O "tempero verde" colhido ali mesmo do "jirau" perto da casa do camponês sertanejo. Tudo fresco e saudável. Quer requinte maior do que esse? Hoje alguns provavelmente farão variações com Herbs de Provence. Mas,  ainda que eu até aprecie essas ervas, já sabemos que elas não são mesmo da Provence. Portanto, a receita da Malassada é mais autêntica.

E foi por isso que eu resolvi mesmo atacar de caldo de carne cearense e malassada nesse primeiro jogo do Brasil na Copa. Tanto mais autêntica a refeição, mais capacidade de me equilibrar diante dos eflúvios do inconsciente coletivo.

E foi assim que me vi deglutindo um saboroso caldo de carne enquanto o Galvão Bueno tinha verdadeiros orgasmos quando um dos Ronaldinhos pegava a bola : "RRRRooooooonaaaalldiiiiiinhooooo!". Do meu lado uma excelente assessoria técnica fazia as observações e xingamentos de praxe. Aliás, na Copa todo brasileiro que gosta de futebol é ótima assessoria técnica. O único que não entende nada de futebol é o técnico da seleção.

Procurei manter a calma concentrando-me no caldo, mas quando deu o intervalo achei melhor ir preparar a "malassada". A malassada tinha de ser quentinha e além disso os xingamentos contra o técnico da seleção se ouviam de muitos quilômetros de distância. Cozinhar era a forma de escapar. Saí, entretanto, pensando que em estória de suspense e copa de futebol os suspeitos e prováveis culpados são o mordomo e o técnico da seleção. 

Comecei a preparar a malassada e de repente o silêncio ficou incômodo. Até os passarinhos que costumam cantar perto de minha janela ao amanhecer estavam quietos. Parecia combinação. Errei na quantidade de farinha e aí percebi que aquele silêncio das massas estava me invadindo e me desequilibrando. Silêncio nervoso. Concentrei-me: "Vigiai e cozinhai". Finalmente consegui reparar o estrago e fui para a fritura. Enquanto subia um saboroso aroma daquela fritura reparei que a "malassada", na frigideira, entortava e se encolhia. Pensei: antes ela do que eu.

Cheguei com a "malassada" para o segundo tempo. Os ânimos conseguiram se acalmar e as energias positivas começaram a vibrar, o que me fez apreciar melhor e satisfatoriamente a "malassada". Nada muito brilhante o jogo que se seguiu, mas evitou a vergonha nacional maior: perder ou empatar no primeiro jogo com um time de segunda, que passou a ser elogiado para justificar as dificuldades da nossa seleção. Tudo Brasiiiiillll!!!

Terminando...com o estômago satisfatoriamente cheio de malassada, assisti na tv um grupo que pulava desconsoladamente. Diziam entre tristes  e eufóricos ao redor de um bolo com a bandeira do Brasil, que quase tinham estraçalhado o bolo (ou seja a bandeira nacional) na hora do gol da Turquia. Estavam cansados e diagnostiquei os seus sais minerais baixos. Conclui que a "malassada" conservou meu equilíbrio, e agora, como diz o sertanejo, "de satisfeito cheio" e esperando o próximo jogo podia partir para um requiescat in pace.

Abraços

 Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 05/06/2002

 

Artesanias - de Verônica Miranda   www.veronicammiranda.com.br 

A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE SITIO NÃO ESTÁ PERMITIDA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS