TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMAS

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O FANTASMA DA VILA (ANTIGA, COLONIAL E ENCANTADA)  -   CLIQUE PARA VER MAIS ARQUIVOS

 

 Esta é uma pequena história contada por uma pequena nativa do País das Palmeiras que virou Águia. Chamava-se Pequena Flor de Sol.

Desde pequena na Vila em que morava sonhava com os pássaros e aves grandes. Fazia parte de sua rotina sonhar e interpretar os sonhos. Um dia chegou em seus sonhos uma águia e disse bicando em seu coração: Acorda, desperta! A vila te aguarda, precisa de ti. Não conseguia entender. Cresceu animada pelos sonhos e as histórias contadas na Vila. Uma delas, que era descendente de um povo que guardava muitos segredos. Havia segredos que aqui e ali alguém deixava escapar, mas que eram bem guardados.

Sua Vila, porém, o lugar em que nasceu e em que nasceu sua família, uma vila pacata, começou a mudar, a se tornar violenta, com pessoas antes calmas, pacíficas, a estranharem os próprios familiares e até fazerem perversidades com eles.

Aumentou o número de bandidos, saqueadores, gangues e pessoas mal intencionadas fazendo violências, roubando e perseguindo as pessoas. Os jovens começaram a tomar drogas. As pessoas da Vila, antes tão cooperativas e amigáveis passaram a atuar de forma egoísta, a difamar os próprios familiares e amigos, criando um ambiente hostil, ruim de viver.

Pequena Flor de Sol não entendia como pessoas que antes eram cordiais e alegres foram se tornando más, egoístas e distantes. Uma noite quando já havia se tornado adulta teve um sonho revelador. Ou seria realidade? Um sonho acordado. Ainda cedo da noite ouviu um farfalhar de asas muito forte em seu quintal. Não teve coragem de ir lá verificar. Era tudo tão estranho. A Vila tinha ficado violenta.

Foi dormir com a estranha sensação de que havia companhia por perto. E sonhou com a antiga Águia dos seus sonhos de menina. Ela chegou até ela, bicou seu coração e disse: Você tem uma missão. Você não sabe, mas é uma águia. O Conselho das Águias destas terras, que foi formado pelas antigas águias, dos antigos povos que tinham uma espiritualidade das alturas, sabe que a Vila precisa de nós e você pode nos ajudar.

A Vila foi tomada há tempos atrás, por um terrível fantasma que não queria morrer: O fantasma do Comandante. Nas priscas eras da colonização ele foi designado para escravizar meu povo, perseguindo e causando grandes sofrimentos. E por isso com muitos assassinatos e sofrimentos causados, em suas costas e o desconjuro de muita gente, até mesmo de suas esposas, que ele violentou, humilhou, maltratou e retirou suas liberdades, tinha medo de ir-se completamente. Porque era muito religioso e imaginava que o fogo dos infernos lhe aguardava.

Não queria ir para o inferno e por isso preferiu ficar na Vila, quando seu espírito deixou o corpo e ficou procurando corpos para se apegar, obsediar, vivendo através dos corpos e vidas das pessoas da Vila. Começou com seus parentes, mas logo aumentou seu raio de ação. E assim foi tomando vários corpos dominando a energia das pessoas, inclusive seus parentes que vieram depois e que inocentes daquelas energias intrusas tornavam-se pouco a pouco malvados como ele, gerando conflitos nas famílias, na Vila. Tinham ânsias de mandar, dominar os outros e se apossar de tudo o que existia. Queriam tomar posse do que era seu e daquilo que também não era, da mesma forma que fazia este e outros comandantes da colônia, esquecendo que existiam leis que precisavam seguir. Lembre-se Pequena Flor de Sol que os comandantes faziam o que dava na telha, eram “donos do pedaço” e nem ligavam para as leis que vinham da Coroa Portuguesa. Leis existiam, mas quem seguia?

Assim, alguns dos possuídos pelo fantasma acabaram se matando, por não saber o que acontecia consigo e nem entender os sentimentos atrozes que lhes dominavam para fazer o mal. Além disso, várias pessoas das famílias sucessoras do comandante se sobressaíam querendo mandar nas outras pessoas. Alguns tinham ciúmes doentios dos irmãos e parentes e por isso tinham a mania de querer expulsá-los da família. E isso se tornou repetitivo nas várias famílias da linhagem dele. Sempre tinham alguém para expulsar e massacrar. Aqueles tomados pelo fantasma eram mandões, em determinadas situações queriam tratar aqueles mais vulneráveis como escravos, tirando sua liberdade e deixando-os sem condições de viver. Da mesma forma que o comandante fazia com os indígenas. E esse era um sinal muito forte do fantasma do comandante.

Um deles, em uma família, queria tomar o lugar dos pais e mandava nas irmãs. Não as deixava namorar, ir às festas. Outro prendia suas filhas em casa, como se fossem escravas dizendo: Não podem sair, o mundo é muito perigoso. Outro sinal do fantasma. E quando obsediava mulheres, essas mulheres maltratavam outras mulheres. Uma dessas, da Vila, tratava sua filha como se fosse um pano de chão, em que ela passava o rodo de limpeza e a esfregava contra o chão, tal era a violência com a própria filha, que objetivava acabar de vez com sua auto-estima, chamando-a de todos os nomes piores que existiam, a dizer quem manda aqui sou eu. O fantasma do comandante tornava as mulheres perversas, porque assim ele tratava as mulheres na colônia e aquelas possuídas por ele repetiam com as outras o que ele fazia. E esse era um claro sinal de que estava possuída pelo fantasma do comandante. Outra delas queria mandar em suas irmãs adultas, com longas trajetórias de vida e vivendo em um mundo em que as mulheres há muito tempo levavam vidas diferentes das mulheres da colônia. E isso era um sinal de possessão do fantasma. Mulheres arrogantes, mandonas, manipuladoras, mascaradas, que inventavam estórias mentirosas sobre as outras mulheres, tentando denegri-las e para isso se juntavam até mesmo com bandidos. Essas não eram atitudes femininas, mas de um comandante facínora e traiçoeiro tão comum na época da colônia e por isso era possível detectar nesses casos o fantasma do comandante.

À medida que a antiga águia relatava os problemas, que os psicólogos modernos chamam de complexos culturais e transgeracionais, Pequena Flor de Sol aumentava sua compreensão e começava a entender a gravidade da situação. Ela mesma conhecia muitos casos idênticos. E assim sentia que precisava cooperar com a solução do problema.

O fantasma do comandante não sabia que muita coisa tinha mudado na história da Vila e que não  havia mais escravidão, os povos que ele escravizou agora eram livres e  apesar dos percalços da existência não podiam mais ser perseguidos como antes.

Era um fantasma que tinha idéias coloniais porque não tinha corpo para acompanhar todas as mudanças que aconteceram na história da Vila. Mas apesar de ser um comandante temido ele tinha muito medo de “ir para o inferno”. Toda vez que ele se apossava de alguém para fazer o mal e diziam: Vai para o inferno pessoa perversa, você só sabe fazer o mal, o rosto da pessoa ficava desfigurado, de tanto medo que ele tinha do inferno. E nessa hora o fantasma se manifestava no rosto delas. Por isso ele continuava a viver através das pessoas.

A situação foi piorando e como ele era Comandante e entendia do ofício começou a comandar outros fantasmas e trazer para a pequena vila fantasmas de outros lugares. O Conselho das Antigas Águias sabia que a Vila não suportaria por muito tempo aquele ataque de fantasmas e por isso se reuniu para fazer um grande ato de limpeza.

O ato consistia em liberar os fantasmas de sua carga, para retirar-lhes “o medo do inferno”.  A vila precisava de paz e por isso precisava perdoar o sofrimento causado a todos por ele na colônia. Mas como eles tinham muito medo do ataque das Águias era necessária uma cerimônia.

Pequena Flor de Sol precisava organizar a cerimônia, para que as Águias do Conselho das Antigas Águias pudessem baixar e liberar as energias da Vila, trazendo paz para todos. Uma grande fogueira seria feita em um lugar da natureza.

Quando a fogueira foi realizada, com alguns poucos convidados, os fantasmas foram atraídos. O fantasma do comandante e seus seguidores queriam saber do que se tratava. Quem queria invadir seus territórios? Á medida que eles se aproximavam as águias começaram a chegar. As Águias do Conselho de Antigas Águias e todas as dos Povos das Alturas. Queriam libertar o passado, para que todos pudessem viver em paz.

As águias todas se deram as mãos em círculo. Tambores ressoavam como um marcador de ritmo da natureza e coração, enquanto Pequena Flor de Sol  iniciava o rezo, que assim dizia:

“Perdoamos todos os males e sofrimentos causados pelo Comandante e seus seguidores. De hoje em diante eles podem ir-se em paz, seguindo seus caminhos de evolução. Bênçãos para todos eles que necessitam trilhar seus caminhos verdadeiros e descansar em paz. Que descansem em paz de suas feridas, de seus ódios, de seus sofrimentos. Que deixem a Vila e todos seus parentes em paz, para que o amor, a cordialidade, a cooperação, o bem viver possam vicejar. Que nossos corações unidos pelas nossas mãos tragam a libertação de todas as feridas, mágoas, ressentimentos e sofrimentos.”

Os convidados todos lançaram, na fogueira, pequenos papéis em que estavam escritos os sentimentos e emoções ruins, os medos, as traições, as mentiras e o egoísmo.

A fogueira crepitava e lançava no ar o fumo, a fumaça em que se iam céleres os antigos fantasmas, agora livres de seus medos e suas prisões, para o caminho da liberdade e evolução. Que todos descansem em paz!

Pequena Flor de Sol conclamou a todos os presentes que divulgassem que os fantasmas se foram e que todos aqueles que vez ou outra se sentissem perturbados por sentimentos confusos e vontades de fazer o mal, que fizessem o rezo do perdão, liberando os fantasmas que ainda restaram.

O comandante se foi com suas almas penadas seguindo seu caminho de evolução e agora a Vila é vigiada e cuidada pelo Conselho das Antigas Águias, que semeiam, junto com todas as pessoas de boa vontade, a liberdade, o amor, a cooperação para o bom florescimento do lugar.

Nota Final:1-Diziam os antigos povos sábios que quando escrevemos uma estória ou mito inspirado, eles valem como uma cerimônia. Este conto foi inspirado e gestado na Sexta Feira Santa e Sábado de Aleluia e quando ele estava sendo concluído os sinos da Igreja repicavam na madrugada, na missa e procissão da Aleluia e Ressurreição. Ressurreição para todos!

2-Soube depois que outros contos sobre fantasmas de vilas existiam (e eu conhecia o Fantasma de Canterville de Oscar Wilde). Parece que os fantasmas e as vilas existem desde tempos remotos, mas este caso contado e inspirado por Pequena Flor de Sol é único, porque é sobre uma vila antiga colonial e encantada que precisava se libertar do passado para sua população poder viver o presente.

 
 

Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 29 e 30 de março de 2024


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