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(Um olhar sobre a cultura)

Pra não dizer que não falei de flores  (Veja Arquivos)

 A nação brasileira precisa florescer e essa foi uma das necessidades que se insurgiram no processo das eleições 2002, embutida nos desejos, esperanças e expectativas de mudança dos brasileiros.

Imaginemos um grande jardim de uma cidade que todos muito queriam, mas que  nunca florescia adequadamente, ou que o crescimento irregular de seus canteiros e suas flores lançava grandes suspeitas sobre os métodos de cultivo e trabalho do jardineiro, e que de repente, passou a ser o centro das atenções da população. Ora, aquele jardim era uma das alegrias da cidade, ponto central, vital, e seu cartão de visita também. As desculpas esfarrapadas do jardineiro, de que os poucos recursos, o pouco dinheiro para materiais só davam para tratar de algumas espécies e variedades de flores, tinham levado o jardim a um ponto crítico. Oitenta por cento das flores estavam abandonadas à própria sorte, canteiros inteiros sem nenhum cuidado, outros sem adubo, outros sem água e outros sendo desenvolvidos a custa de grupos da população da cidade que se organizavam para cuidar da forma que podiam do jardim, contrariando e criticando as formas desse jardineiro geri-lo.

A insatisfação com esse estado de coisas levou a população a lutar e exigir a escolha de um jardineiro e uma equipe de trabalho para o jardim, que tivessem  propostas de trabalho capazes de resolver a situação tão grave em que ele se encontrava. Dentre as propostas que a população votou, uma delas era que os recursos fossem democratizados, distribuídos de tal forma que todos os canteiros fossem contemplados, com os tratos culturais, com a água, adubação e outros mais. A população queria que seu jardim florescesse e acabassem as injustiças. Pois não podiam dizer que essas diferenças eram um problema de Deus, ou da natureza, ou do universo. A tarefa de Deus ou da natureza estava cumprida desde que as condições para o nascimento das flores e seu desenvolvimento estavam dados, o resto não era mais de suas alçadas, mas do trabalho, criatividade e responsabilidade humanos.

Nem Deus, nem a natureza poderiam ser responsabilizados por tal situação. Os responsáveis eram os jardineiros com suas equipes, que ano trás ano, gestão após gestão fizeram um trabalho desigual, defendendo outros interesses, até chegar àquele ponto insuportável pela população. Do seio da população, e daqueles que acompanharam a situação das flores e entenderam os seus descontentamentos, trabalhando para que elas não morressem e criando mil formas e estratégias de sobrevivência, saíram tais propostas de mudança, que depois foram incorporadas por outros setores que já estavam também sendo prejudicados. As flores daquele jardim passaram a ser importantes, sob diversos aspectos, para a cidade. E, então, a população, não sem muito esforço, conseguiu mudar o jardineiro e sua equipe.

Ora, agora era o momento de colocar em prática aquilo que todos reconheceram como um direito de todos: as necessidades básicas de água, adubação e tratos culturais, respeitando a diversidade e variedades das plantinhas. Mas desde logo um problema se colocou, pois iniciaram-se várias controvérsias de como deveria ser feito isso. Porque alguns diziam que se o tratamento era para ser  igualitário, então deveria ser o mesmo para todos.Os recursos, o direito de participação e tudo o que chegasse às mãos do jardineiro  e dependesse dele deveria ser repartido eqüitativamente. Ora, o próprio jardineiro em campanha já havia dito que nem todos os dedos da mão são iguais e que as necessidades de uma família tinha grandes variações entre todos os filhos.

Com isso entendia-se desde aí que esse jardineiro sendo eleito consideraria a correlação de forças existentes:algumas espécies de flores eram mais poderosas, mais alimentadas pelo sucessivos jardineiros, mais articuladas, mais desinibidas e que por suas qualidades glamourosas acabavam também seduzindo os jardineiros, que caíam no "conto das flores". Um jardineiro compenetrado da difícil missão que lhe era incumbida - fazer florescer o jardim-só poderia fazê-lo realmente considerando as diferenças existentes naquele jardim. Daí que se ele ficasse o tempo todo dizendo que ia ouvir a população e cuidar da população, sem se preocupar com as diferenças e contradições de classe, ele poderia ser chamado de "populista". Isso no jargão político significa enganar a população.

Apesar do compositor Cartola cantar "que as rosas não falam"- e ele podia dizer isso por ser um grande compositor e ter licença poética - nós sabemos que as flores desse jardim têm muitas vozes, só que nem sempre ouvidas. E quando o jardineiro se dispuser a ouvir as vozes daquelas flores e daqueles canteiros que ficaram esquecidos, vai perceber que essas vozes e  essas flores têm uma força muito grande, idéias muito boas e soluções não imaginadas para os problemas daquele jardim. Elas não são somente uma parte necessitada do jardim, são também uma parte que pelas duras condições de sobrevivência criaram formas próprias, estratégias nunca imaginadas por mentalidades de gabinete, e tiveram que exercer como ninguém sua criatividade para poderem sobreviver. Além disso, conhecem como nenhum jardineiro as condições de seus canteiros.

Muito provavelmente os enganos devem ser desfeitos, para que o trabalho e missão desse jardineiro sejam proveitosos. E nesse caso o foco deve ser outro, e as idéias, como diria um sociólogo que renunciou às suas idéias, devem ir para seus lugares. O trabalho do jardineiro eleito e sua equipe deveria ter a cara de suas propostas, uma logomarca, que é o social. Não são aquelas flores glamourosas que vão repassar para os outros o que lhes sobram, e isso elas podem fazer por perceberem as injustiças cometidas com as outras flores, e isso elas podem fazer porque percebem que elas são flores também e sofrem com o sofrimento das outras. E isso se chama solidariedade. Mas há o perigo de que elas, ou parte delas, estejam imbuídas de outros sentidos: doar quatro carradas de adubo para conseguirem outros privilégios, ou para conseguirem favores políticos, o que comprometeria o trabalho do jardineiro.

Mas a obrigação do jardineiro é cuidar e dividir o bolo de alimentos de forma justa, através de políticas e medidas redistributivas dentro dos canteiros e de jardim tão grande. E dedicar-se com afinco àqueles canteiros e flores injustiçados durante tanto tempo, pois precisam de mais cuidados. O que a população e as outras flores fizerem deveria ser encarado como solidariedade, e sem dúvida deveria ser estimulado esse sentimento, cuidando para que ele não se torne "farisaico", e as "doações"sejam reconhecidas como um direito das flores injustiçadas. O tratamento digno com as flores consideradas "pobres" e "subnutridas", por não terem sido atendidas no tempo certo, deveria ser reconhecido como um direito delas e não concessão.

 O que o jardineiro e sua equipe fizerem é compromisso e obrigação com a população, é a reciprocidade pela confiança que todos depositaram nele. E considerando que Deus e a natureza já fazem a sua parte, sem mesmo nos darmos conta disso, temos que dizer: À César o que é de César, à Deus o que é de Deus...e ao povo o que é do povo. Cada participação no seu devido lugar. Não se pode querer que  o povo cumpra as obrigações do jardineiro e vice-versa.

E assim, como esse grande jardim, também é o Brasil. Poder florescer em um jardim tão grande  e belo é um direito das leis de Deus, das leis da natureza e das leis humanas. E como diz a canção já antiga, mas atual, que carrega este tema: "Caminhando e cantando e seguindo a canção somos todos iguais braços dados ou não."

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

07/04/2003

 

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