FALE COM ELES

(Um olhar sobre a cultura)

O sentido último -(Veja Arquivos)

Ora direis ouvir reclames e propagandas dos novos arautos da cultura. A palavra cultura nas sociedades modernas tornou-se sinônima de entretenimento e diversão. Promissor ramo de negócios, a cultura foi se especializando como lazer, diversão, e outros artefatos descartáveis e necessários para “dourar a pílula” de grande parte da população, necessitada de lenitivos para as dores modernas. Para alguns um mal necessário, para outros um bom negócio, e há quem diga ser esse um sinal dos tempos. Em outras palavras, o que está aí é o resultado de onde chegamos, do que construímos e do que conseguimos expressar, dentro de nossas determinações, e que surgem como necessidades. Verdade é que a palavra cultura expressa bem mais do que aquilo que pensamos, e até o que pensamos, como pensamos, sentimos e atuamos. E a sua abrangência nos levará sempre, desde as formas mais superficiais de tratá-la, e através de tantas mediações, àquilo que ela tem de mais profundo e essencial, um sentido último.

  Eu não diria isso, se não o tivesse acompanhado...

 Pois, foi assim, que em uma casa de diversão qualquer, ouvindo um blues, uma voz que queima na garganta o levou a algumas verdades, que ele ainda não havia pressentido. O som na lágrima, a lágrima no som, o sorriso que se anuncia, o movimento da cadência, até chegar a um ponto de sopro...Um sopro de pequenas liberdades. O resto se foi. O dinheiro pago, o prêmio prometido, a encenação da noite... De repente, captado em um único instante, numa voz, num som, numa cadência, o sentido último daquela noite de diversão.

 Foi assim, também, que em uma viagem turística, de lazer, em meio a guias que recitavam de cor e salteado, vendedores mirins se aproximaram. Santinhos, santarrões, figurinhas de bichos, heróis e tipos, bichinhos que cantam e apitam. Mas, uma mão, uma pequena mão, naquela pequena multidão, se destaca. A luz de um rosto inocente, rosto intocado pela miséria, insegurança e medo, sem pedir licença o atinge. Como um raio a inocência o atinge, e ele já não é  o mesmo. Nada mais importava da cidade, da praia, dos bares, da agitação... Em um átimo de segundo, o sentido último daquela viagem cultural havia para ele se revelado.

 E foi, por fim, no camarote do grande momento do ano, no sambódromo do Rio, no carnaval, a expressão máxima e já organizada da cultura, pronto para a grande diversão, com todas as fichas gastas, pagando todos os pacotes do evento, que ele viu, ouviu e sentiu. Primeiro, era uma riqueza, de pedras das fantasias, do samba, da dança, do enredo, que embebedava com o som forte, com as piruetas, com os carros altos alegóricos, com os shows pirotécnicos, com o passar das alas, cantando e em riso. E ali ele via o antigo, o novo, a aventura, o fascínio, o luxo, o lixo, o som, a cor, o movimento, tudo emergindo em ebulição. E todos foram passando, passando, passando, e aos poucos se desnudando, com poucas roupas, em traje de índios, em nus puros, para as câmeras, para as gentes, para ele. E, de repente, ele se olhou como nunca, e percebeu o sentido último de tudo aquilo: estava nu.

 E este, talvez, seja o sentido último da cultura, através de suas múltiplas expressões, nos desvelar aos poucos, até nos tornarmos nus. 

Verônica Maria Mapurunga de Miranda

21/02/2003

Artesanias-de Verônica Miranda -www.veronicammiranda.com.br

A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE SITIO NÃO ESTÁ PERMITIDA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS