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Contando um Conto

Uma rosa que desabrocha...(ou début)

  Ela já o conhecia dos sermões na Igreja. Interpretando Isaías, Lucas, João ou Pedro. Não se podia dizer que emocionava todos os fiéis domingueiros, mas cumpria seu papel. Entre a exaltação da retórica que se fazia necessária e os costumeiros carões e queixas do custo de vida,  da vida sacrificada de padre, sabia-se na pequena cidade que de discursos ele entendia. Como padre tinha preparo na oratória, tinha que ser um orador inquestionável.

Assim, e agora ali  de pé, parada, de olhos semicerrados, escutando aquele discurso que mais parecia uma preleção, ela lembrava do quanto ele havia sido orador em várias ocasiões e eventos da cidade. Na hora dos discursos sempre era chamado, quando não se apresentava voluntariamente. Padre, dizia-se logo, era um orador preparado para qualquer ocasião.

Assim, participava como orador de quase todas as associações da cidade, até mesmo do Clube Recreativo, que pretendiam também seus sócios fosse  lítero-cultural e tantas outras coisas. Mas, de fato, o que havia lá eram famosos bailes e tertúlias. Em períodos de menor movimento na cidade, bingos dançantes para atrair mais pessoas. Mas, o clube da cidade começava a inaugurar outra função: Festas e recepções de 15 anos, de debutantes.

E ela ali estava, na festa de seus 15 anos. Prepararam sua entrada no salão à meia-noite, com seu pai. Os convidados a saudaram cantando os parabéns, acompanhados pela banda, enquanto era levada ao centro do salão. Um bolo feito especialmente para a ocasião com 15 pequenos balões juninos reluzentes e 15 velas que ela deveria apagar. Depois disso, dançaria a valsa com seu pai, seu avô, seus irmãos, seus tios, seu padrinho, seus colegas e amigos. E haja valsa naquela noite!

Entretanto, aquele detalhe do cerimonial lhe escapara. Aquele discurso feito pelo orador, saudando a sua chegada e entrada em uma nova idade, a deixara um pouco desconcertada. Ele se oferecera ou alguém decidira aquele detalhe, aquela entronização? É bem verdade, que agora não importava, já estava feito. Inflamado, ele discursava, enquanto ela com seus pensamentos em turbilhão buscava algo na memória que a desagradava profundamente.

Uma particularidade nos seus discursos a desagradava, e em alguns círculos já era conhecido isso. O orador, quando estava discursando, em outros eventos e ocasiões que não os da igreja, levava o discurso sempre para uma frase, que era o corolário de suas idéias, o ponto culminante e final de sua retórica. Sempre a mesma frase para todas as ocasiões, algo insistente, talvez obsessivo. Um esforço de adaptação de cada situação à sua frase máxima?

A idéia de que esse discurso não poderia ser tão diferente dos outros era extremamente irritante. Por que naquela data especial e sua teria que ter aquilo? Por que ter que ouvir a mesma frase de sempre? Deveria passar por um exercício de tolerância e paciência para ser assim aceita por todos naquela nova idade? Seria isso o verdadeiro début?

De olhos semicerrados, a esperar o desfecho, portou-se com a dignidade que os olhos de todos, sobre si ansiavam e queriam. Conseguiu emergir do turbilhão de pensamentos quando o orador cada vez mais inflamado e gesticulando dava o veredicto final: Essa jovem que aqui está, representante da fina flor de nossa sociedade...É uma rosa que desabrocha!

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Hoje, e depois de tantas e tantas iniciações por essa vida afora, compreendo essa tamanha e incrível obsessão do orador. Somos, e seremos sempre, rosas prontas para desabrochar...Se assim o quisermos.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 08/09/2000

Midi de fundo: Primavera - Quatro Estações de Vivaldi


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