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Confabulando

Outro dia passei por dois companheiros de passeata que conversavam animadamente. Passei, cumprimentei e comentei : Vocês estão confabulando...Um deles falou: Que palavra bonita confabular, mas não significa alguma coisa parecida com conspiração? E eu respondi: Pode ser, mas não é algo ruim. E fui lembrar da raiz da palavra que vem de fábula, história, con fábula. Pois é, pode até ser uma conspiração silenciosa, no bom sentido. Lembrei que fábulas e mitos são aparentados e como necessitamos deles para entender  e fazer pontes com nosso mundo simbólico. Ás vezes estamos em um aperto psicológico e são as famosas antigas histórias que nos fornecem uma trilha ou uma luz no fim do túnel.

No final da década de 90 do século passado vivia um  processo em que necessitava assimilar e compreender alguns aspectos pessoais, mas não sabia bem por onde ia. E de repente, encontrei na internet a publicidade do livro de Clarissa Pínkola Estés "Mulheres que correm com os lobos". Logo me chamou a atenção por ser uma abordagem diferente, mesmo na psicologia junguiana e completamente voltada para os processos femininos ou das mulheres. Eu tinha uma idéia de integração, em que carregamos o masculino e feminino e que o ser "pessoa" definia bem essa situação. O feminismo originário e primário tinha sido uma fase em minha vida na década de 70 e parte da 80, que não mais fazia sentido se não houvesse uma compreensão mais ampla  da sociedade e cultura patriarcais. Vivia também uma relação amorosa de "pessoa para pessoa" capaz de suprir e minorar as dificuldades patriarcais do entorno. De certa forma, já não me imaginava mais trabalhando questões tão específicas, bem como não me satisfazia mais reuniões de clube de luluzinha ou bolinha, onde não havia a relação dos dois gêneros. Também não me satisfazia mais explicações do tipo: São atitudes dos homens, eles reagem assim, ou isso é próprio de mulheres. Para mim todos eram diferentes, como pessoas, com suas próprias particularidades. E eu mesma havia conhecido mulheres bem diferentes entre si e homens também. Como fixá-los em uma relação de gênero simplesmente?

Mas, a psique ou a alma é exigente nesses detalhes e só aí eu percebi que mesmo com todas as diferenças pessoais nos dois gêneros havia questões relativas ao feminino, que faziam parte de um mundo subterrâneo, instintivo e simbólico que eram importantes compreender e estabelecer contato com elas. Comentei com uma pessoa, na época,  que a leitura daquele livro para mim tinha sido como a experiência do agrião na minha salada de alface. Pois dava um toque e sabor muito especial a todas as minhas experiências e vivências como mulher, trazendo uma perspectiva e riqueza a tudo que eu havia pensado e vivenciado sobre o feminino, além da compreensão de que a espiritualidade feminina tinha quesitos e necessidades diferentes se se pretendia ir adiante. Enquanto religiões sabemos que a espiritualidade sempre foi tratada de forma patriarcal, algumas são quase misóginas. Só falta alguns mestres e sacerdotes dizerem: "Venham, venham meus amigos para nossos encontros, eu também sou machista." Nas religiões as mulheres participaram e ainda participam de forma coadjuvante, havendo poucas exceções, como se abre exceções para as mulheres "místicas", que nunca se encaixaram em religiões definidas.

 Numa época em que a espiritualidade é vista como uma capacidade inerente ao ser humano e já tem um campo nas artes e também na ciência e não somente em religiões, além da necessidade crescente  do "religare" pareceria que tanto homens como mulheres trilhariam o mesmo itinerário espiritual. Em época de integração e que esses itinerários se fazem cada vez mais presentes percebemos, contudo, que há especificidades ou necessidades diferentes. Necessidades maiores se entendemos que através dessa espiritualidade, vista como novos patamares da consciência humana, as mulheres podem aportar novos valores e frutos para a cultura e sociedade. A emergência do feminino, as vezes como vulcão ou terremoto, pode ser amenizada, compreendida e vivenciada de forma mais pacífica à medida que muitas mulheres possam se aventurar pelos subterrâneos da cultura, do inconsciente coletivo e do mundo da natureza. O homem também pode fazê-lo, mas será mais fácil para as mulheres, por elas terem mais afinidades com esses processos e esses mundos, apesar de muitas vezes estarem esquecidos.

  Continuo entendendo que se relacionar como pessoa é um parâmetro indispensável para manter as possibilidades de uma relação madura, equânime, em que caibam as riquezas das diferenças, mas os caminhos tendem a ser diferentes, mesmo sabendo que todos nos encontraremos na grande estrada.

Quando criança, pelo menos na minha geração, as mulheres ainda tinham contatos com trabalhos manuais e acompanhavam as mães em algumas atividades, seja do cozinhar, seja do bordar, costurar, tecer, tricotar. Lembro de um acabamento em costura que se fazia com "entremeios", um tipo de bico bordado que se recheava com fitas de cores diferentes. Aquelas fitas de variadas cores, dependendo da peça decorada, mostrava com detalhes,  a beleza do acabamento, as possibilidades de ter tantas cores diferentes, a delicadeza . Aí se via a importância do "detalhe". Muitas vezes necessitamos dos entremeios, com fitas de cores e possibilidades diferentes para ir adiante, para os acabamentos necessários.

Há uma questão interessante na tradição de Contadora de Histórias na qual se inscreve Clarissa Pínkola Estés que é o colocar uma cadeira vazia, em que uma convidada possa contar sua própria história, ou sua versão da história. E assim é o feminino, que escapa em alguns itinerários verticalizados, ele exige, ele quer e necessita de horizontalidade, com possibilidades outras, com beleza, com acolhimento do que é diferente. Lidar com o feminino nessa dimensão é perceber que os "detalhes" são importantes e que são variáveis. Há sempre algo que pode ser acrescentado, há sempre uma cadeira vazia que permite enriquecer a história e que acolhe aquilo que aparece dissonante. A dissonância poderá ser bela nesse sentido e poderá compor. 

É necessário con-fabular, espreitando detalhes e possibilidades, entrando nas cavernas e florestas, e por mares dantes nunca navegados.


Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 22/ julho/2017

 

 FOTOMONTAGEM - GRITA BRASIL - 2008 (Vide Galeria)


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