Durante 17 anos mantive o site Casa dos Licores
de Alfredo Miranda e Da. Terezinha. O site criado por mim em agosto de 1999, ao
mesmo tempo em que criava o site Viçosa do Ceará-Uma página não Oficial, parte
do meu site oficial Artesanias de Verônica Miranda - www.
veronicammiranda.com.br. Em meu site de Viçosa foram publicados os dois artigos
que fiz para Da. Terezinha e Alfredo Miranda, meus pais, reconhecendo-os como
representantes da cultura local, dentro de uma nova acepção da cultura e visão
que tive da pequena cidade natal de Viçosa do Ceará. De fato, os artigos sobre
eles, como outros aqui publicados se inscreviam em uma nova abordagem de
história e cultura que inaugurei nesse site onde eles, como tantos outros,
compunham uma forma diferente de representação das expressões culturais,
inseridas em outro conceito de História.
Através desses artigos pude também encontrar com aqueles que
são os “autores dos meus dias”* em outro nível, o da cultura, podendo
apreciar a arte do pífano de meu pai que carregava toda uma tradição local e já
desaparecida. E de minha mãe com a culinária tradicional, das quituteiras e
culinaristas viçosenses, que com outras culinaristas de Viçosa criaram e
recriaram essa forma saborosa de convívio social, tecendo cultura. A eles o meu
respeito e gratidão por ter participado desde tenra idade dessas expressões
culturais e aprendido com eles o que já adulta como intelectual e artista pude
ressignificar.
Para mim, portanto, essa página Casa dos Licores
tinha um sentido especial e ligado ás minhas atividades culturais, seja como
pessoa que se redescobriu trabalhando em outro nível a cultura em que nasci e
onde estavam meus progenitores, seja como intelectual e artista. Já falecido meu
pai e com minha mãe aposentada e sem condições de trabalhar, o empreendimento
Casa dos Licores ganhou outra proprietária e administração, onde não cabem
minhas atividades culturais. De tal forma que minha contribuição, de criação e
manutenção do site Casa dos Licores, sempre gratuita aos meus pais e a todos que
tiveram e têm o usufruto do empreendimento, está sendo finalizada. Aqui sinto
que cumpri da melhor forma minha missão com meus pais. E as matérias do site
adquirem atualmente características, apenas de memória afetiva que honra as
atividades paternas, mas como parte dos meus trabalhos relacionados à História e
à Cultura, no meu site pessoal, onde de alguma forma já estavam. Em outras
palavras deixo a publicidade da Casa dos Licores que fiz durante 17 anos e levo
meus artigos e textos ali escritos, para que a atual administração realize seu
próprio trabalho. As matérias do site, de minha autoria, são partes do meu
trabalho sobre cultura e história, que terão continuidade em minhas atividades.
Relembrando, que a maior parte do que escrevi sobre Da.
Terezinha e Alfredo Miranda remonta à minha infância. A Casa dos Licores
administrada pelo meu pai e minha mãe foi uma realidade que iniciou na minha
adolescência, ainda de forma incipiente e ganhou corpo quando eu já estava na
universidade em Fortaleza, capital do Ceará. Vivendo lá, passava pouco tempo,
feriados, férias, na casa de minha infância.
No anos 90 do século passado estive em Viçosa do Ceará, em
uma temporada de trabalho e nesse tempo aproveitei para uma convivência maior
com as atividades culinárias de minha mãe, conversações e gravações das músicas
tocadas por meu pai. Dessas gravações que fiz saíram na época duas fitas
cassetes denominadas Alfredo Miranda Ao Pife – volumes 1 e 2.
Nessa mesma época iniciaram minhas atividades com arte ou
explicando melhor, aconteceu minha descoberta em relação à arte. E iniciei um
processo que teve minha mãe e meu pai de alguma forma, nesse início, como
coadjutores. Meu pai me providenciava argila, mandou confeccionar mesas de
trabalho para eu fazer as esculturas e como meu trabalho fosse ampliando as
descobertas de meus dons e talentos passei, ainda com um pouco de resistência de
meu pai, a decorar também com esculturas algumas garrafas de licores. Teve total
apoio de minha mãe na época, que ficara maravilhada com as novas atividades
artísticas da filha. Logo, a notícia correu e quando chegavam turistas já
queriam as garrafas decoradas e meu pai, resistente no início, já levava grupos
de pessoas para vê-las e adquiri-las. Houve, então, essa interação de minha arte
no seu nascedouro com as atividades de meus pais na Casa dos Licores e meu
interesse também em promover o trabalho deles. O próprio nome da Casa dos
Licores foi minha sugestão, acatada por eles, que se consagrou quando criei o
site de publicidade e cultura regional.
O que motivou a denominação atual, que ainda existe atualmente, foi
um episódio pitoresco. Antes do nome Casa dos Licores tinha apenas o nome
Alfredo Miranda e Da. Terezinha no cartão de visita. E um dia viajando com
técnicos do Governo do Estado onde havia uma parceria em um projeto de
assentamento rural e de repente, quase chegando em Viçosa, um deles falou: Vamos
passar no “velho dos licores”. Achei estranho e percebi que eles não sabiam que
ele era meu pai. Eu disse: De quem vocês estão falando? E ele respondeu: Do
senhor que vende licores e toca pífano. Eu disse: É meu pai. E todos riram da
situação, mas ficou na minha cabeça aquela história de “velho dos licores”.
Pensei, então, que era melhor o empreendimento ter um nome que desse um
significado a todo aquele trabalho dos meus pais. Não sabia, mas estava
começando o trabalho de ressignificação de suas atividades para algo mais amplo
e relacionado à cultura. Falei para eles e eles concordaram com o nome. E
inicialmente se dizia Casa dos Licores de Alfredo Miranda e Da.Terezinha, para
não perder a referência que já existia com seus nomes.
Nos 80 anos de meu pai, Alfredo Miranda, em 1996, encarregada dos
enfeites da festa, criei em conjunto com a confeiteira (Graça Passos) seu bolo
de aniversário com a representação de sua arte (tocador de pife em uma praça).
Eu fiz a escultura do bolo e as lembrancinhas do aniversário foram todas
pequenas garrafas de aguardente, decoradas uma a uma por mim, com a escultura do
tocador de pife, além dos seus “pifes” feitos por ele mesmo que invadiu a cidade
no dia seguinte. Na história que está neste site “O Homem do Bico de Ouro” é
relatado esse evento, que foi um momento de descobertas dele mesmo, como um
agente dessa cultura e do seu talento, como um tesouro e uma arte – a arte do
pífano- que ele carregava. Ali foi lhe dado uma flauta transversal e ele recebeu
a primeira de duas fitas gravadas por mim, que foram distribuídas com amigos e
parentes, pensando em uma lembrança desse momento e de sua arte. Mas, logo
depois, ele mesmo passou a copiar as fitas cassetes que eu gravei e divulgava,
dando como brinde, às vezes vendendo, e logo se escutava sua música em vários
lugares. Ele passou uma década divulgando suas músicas em fita-cassete e eu
fiquei feliz de poder ter contribuído de forma bem efetiva com isso.
No final da década de 90 do século passado já morando
novamente em Fortaleza deixei as atividades de decoração das garrafas que fazia
para a Casa dos Licores e fiz, com muito esforço pessoal e em conjunto com a
primeira versão do meu site pessoal, o site Casa dos Licores, consagrando nos
anos seguintes a marca que perdurou. Desde essa época ficou no ar, e on line
recebi muitos agradecimentos de pessoas que estiveram em Viçosa e na Casa dos
Licores por conta desse site e do meu site pessoal. Das inspirações que tive
nesse período, desde a década de 90 criei a escultura o mestre do pífano, que
fazia de várias formas como uma representação não somente de meu pai, mas também
de todos os artistas do pífano que eram tradicionalmente mestres da cultura.
Depois criei também a quituteira, inspirada no trabalho de minha mãe e como
representação de todas as quituteiras e culinaristas de Viçosa.
Em 2011 me solicitaram que fizesse algumas decorações em
garrafas para vender uma cachaça antiga de meu pai e ajudar nas despesas de sua
casa. Foram feitos esses trabalhos e por um breve tempo decorei algumas
garrafas, até perceber que o espaço do meu trabalho, seja de arte, seja de
memória, seja de cultura era outro. Como artista e intelectual o lugar da arte e
criatividade de Alfredo Miranda e Da. Terezinha estarão sempre me acompanhando
em minhas memórias afetivas, arte e me inspirando em atividades culturais e
históricas de minha cidade natal. Mas, agora todas as referências do meu
trabalho sobre eles deverão ser encontrados somente aqui no meu site pessoal e
nos locais onde meus trabalhos e atividades se estabelecerão. Uma casa, mesmo a
da infância, é verdadeira somente quando você a carrega de uma forma feliz em si
mesma e com os valores que fizeram valer à pena viver nela. É isso o que levo
comigo, as boas memórias, além da arte que foi despertada em mim em contato com
minha terra e raízes e da “mão boa” para a culinária que herdei da minha mãe e
avó. O resto é passageiro, como nós aqui na terra.
Verônica Maria Mapurunga de Miranda – 20/12/2016
* - Como escrevia um escritor e cronista cearense que já se foi .
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Nossa
História - Casa dos Licores de Alfredo Miranda
& Da. Terezinha
No
final da década de 60 a Casa dos Licores começou a despontar em
Viçosa do Ceará. Os famosos bulinhos de nata, os sequilhos de coco,
e as petas de goma(polvilho), feitos tradicionalmente para as
merendas e ceias nas casas viçosenses, arte culinária passada de mãe
para filhas, começaram a ser encomendados a Da. Terezinha.
Era
uma encomenda aqui, outra ali. Aos poucos, os licores de aguardente
de cana feitos artesanalmente por Alfredo, passaram a ser também
procurados. O casal hospitaleiro, sempre aberto às visitas, com a
mesa farta de bebidas, tira-gostos, bolos e doces, trazia cada vez
mais, para sua antiga residência, além dos muitos amigos e
parentela, pessoas interessadas em sentir e provar o que era próprio
e autêntico da cultura do lugar.
Logo, logo, descobriram também os dotes artísticos de Alfredo
Miranda. As valsas, mazurcas e xotes, muitas delas anônimas,
perdidas no tempo, eram resgatadas no pífano (denominados por todos
do lugar com a corruptela "pife") feitos artesanalmente de taboca
por Alfredo Miranda, arte aprendida desde cedo com os mestres do
"pife" que povoavam a região, na sua infância.
Degustar
essas delícias tradicionais do lugar, ao som de mazurcas e valsas
antigas, em um ambiente acolhedor e cheio de histórias antigas para
contar, na casa antiga, com arquitetura muito própria do lugar,
passou a ser, também, preferência dos turistas, apreciadores do
turismo cultural e ecológico.
Verônica Maria Mapurunga de Miranda - Agosto/1999.
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