As caravanas passam...Largada para as eleições Brasil 2002

Das Diferenças...

Alguém poderia argüir que a democracia é algo que se constrói permanentemente, e eu acrescentaria, ou não. Pois é necessário predisposição, coragem, desejos, sonhos, tolerância e muita luta, para se construir verdadeiramente a pluralidade, que é um espaço de convivência das diferenças.

É necessário sair da cômoda posição de que o que penso e o que eu penso que sou constituem a última e única verdade. É reconhecer que o outro, que é diferente e não necessariamente o meu espelho tem direitos e compõe comigo as partes de um todo. É necessário deixar os preconceitos, e ir derrubando os véus que toldam a visão da realidade para ver mais claro os enganos. 

É necessário entender que não somos melhores do que aquilo que consideramos o pior. E é necessário intuir, pelo menos, de que podemos ser maiores e melhores do que somos. E isso dói. Porque significa sair de estreitos limites e de visões estreitas e crescer. Significa expansão e quebra de estruturas, de rigidezes. Fazer isso significa não poder usar sempre como verdade o cômodo pré-estabelecido, mas acompanhar o movimento das coisas, dos processos e das mudanças. E tudo se move o tempo todo. Fazer isso significa participar e se responsabilizar.

"Ih! Falar isso não é tão difícil.Fazer isso, cara pálida, é que são elas." Pode ser, mas não esqueçamos que o não tentar fazer isso também tem seu preço, e é alto, tanto ou maior que a dívida externa do país. Tanto ou maior do que a fome e a miséria e as péssimas condições de vida pelas quais grande parte da população brasileira passa. Tanto ou maior que catástrofes ou situações limites onde não poderemos mais ficar de forma nenhuma em nossa cômoda posição, e  em que as soluções para esse nosso país serão cada vez mais difíceis.

No mundo atual, no planeta terra, onde as nações se agrupam em blocos, para sobreviverem, onde os mecanismos de um sistema capitalista global são cada vez mais perversos,  incontroláveis, e excludentes, onde as utopias de salvação e redenção revolucionárias dos anos 60 do século passado são cada vez mais difíceis, nos resta tentar o caminho da pluralidade, que inclui o crescimento de nós mesmos e de uma nova ética.

Já não podemos mais falar em mudanças na economia e na política  das nações sem colocarmos o requisito da pluralidade que traz em seu bojo a transformação do ser humano. Já não podemos falar em transformação de um país para um novo patamar sem pensar que cada peça mudada tem repercussão nas relações locais e globais. Não se pode pensar em transformação no nosso país, sem pensar em uma nova ética onde o ser humano e a manutenção da vida em suas multiplicidades são quesitos centrais. Não podemos negar que as idéias criativas, desejosas, sonhadoras, espirituais e espirituosas tenham lugar nesse processo que requer seres humanos mais inteiros.

E dessa forma, não cabem mais as soluções pontuais, onde se conserta  aqui e ali, e os problemas essenciais não são tocados. Não podemos conviver com o engano de que os problemas desse nosso país são somente de ordem econômica e de segurança, e se resolvem com a tecnocracia e com recursos de especialistas competentes-ainda que eles também sejam necessários-como alardeia a propaganda política aos quatro ventos.

Precisamos florescer como nação e nos abrir para o leque das possibilidades que tornam isso possível. A criação do espaço da convivência das diferenças é o começo. E é o espaço da aprendizagem. A criação de mecanismos onde as várias expressões dessa sociedade possam se manifestar por um projeto calcado em um sentido ético, de preocupação com o ser humano é a garantia da continuidade.

E não vamos pensar que moramos em Avalon, e ainda que o exercício da imaginação para a criatividade requerida, seja elemento de fundamental importância, nos objetivos dessa pluralidade têm que ser incluídas a satisfação das necessidades básicas dos seres humanos dessa sociedade, e da justiça social em suas múltiplas determinações.

As diferenças precisam ser expressadas para que se possa aproveitar todas as riquezas e contribuições  que requer o novo patamar  a ser atingido pela nação brasileira. Mas necessitam de mecanismos para se expressarem adequadamente, para que todas essas energias possam ser canalizadas construtivamente.

As diferenças pedem um projeto político e líderes que as acolham e as tratem com carinho, dando-lhes um sentido e direção.

Elas passam nas caravanas dos sonhos, desejos e utopias...e buscam a estrela que lhes orientem.

Como diz Octavio Paz em Labirintos da Solidão, elas também dizem "...Quem já viu a esperança não se esquece dela. Procura-a sob todos os céus e entre todos os homens. E sonha que um dia vai encontrá-la de novo, não sabe onde, talvez entre os seus. Em cada homem lateja a possibilidade de ser ou, mais exatamente, de tornar a ser, outro homem."*

 Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 04/10/2002

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*Octavio Paz- O Labirinto da Solidão e Post-Scriptum - tradução de Eliane Zagury, Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1984

Artesanias - de Verônica Miranda www.veronicammiranda.com.br 

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