TRANSITANDO EM NOVOS PARADIGMAS

ARTE E CRIATIVIDADE

TECENDO VIDA       

 

AQUI É UM ESPAÇO PARA REUNIR COMENTÁRIOS E REFLEXÕES QUE VENHO FAZENDO NO MUNDO VIRTUAL SOBRE ESSA QUESTÃO QUE SE INSCREVE NOS NOVOS PARADIGMAS E QUE DIZEM RESPEITO ÀS PRINCIPAIS MUDANÇAS DESTE SÉCULO QUE JÁ FORAM INICIADAS. A ARTE TRAZ A POSSIBILIDADE DA VIA SIMBÓLICA E DO DESENVOLVIMENTO DA CRIATIVIDADE. O SÍMBOLO NOS PERMITE FAZER PONTES NAS NOSSAS PARTES FRAGMENTADAS E ADENTRAR NO AUTOCONHECIMENTO POR SER UMA LINGUAGEM CAPAZ DE COMUNICAÇÃO COM O INCONSCIENTE, QUE TRABALHA NA INTEGRAÇÃO DOS OPOSTOS  E POR ISSO TEM QUALIDADES TRANSCENDENTES. APRENDER A SIMBOLIZAR É UMA DAS TAREFAS DOS SERES HUMANOS NESTE SÉCULO, NECESSÁRIA PARA A INTEGRAÇÃO DO SER HUMANO.  A ARTE AJUDA A DESENVOLVER A CRIATIVIDADE E EM DETERMINADO NÍVEL AS CAPACIDADES DE CO-CRIAÇÃO, INDO ALÉM DA CRIAÇÃO SUBJETIVA,  SE RELIGANDO A PSIQUE OBJETIVA, AO SAGRADO E INSPIRANDO CAMINHOS. SÃO ARTIGOS DE OUTRAS SEÇÕES DO SITE, BEM COMO DE COMENTÁRIOS E REFLEXÕES REALIZADOS POR MIM NO ESPAÇO VIRTUAL E AQUI DESENVOLVIDOS SOBRE O TEMA.  VERONICA MARIA MAPURUNGA DE MIRANDA -16.06.2019

HUMORVIVENDO A PARTIR DA ALMA, DO COTIDIANO E CULTURA

 AQUI E ALI, FABULANDO

O MENINO AZUL (Veja mais arquivos)

 Paulinho tinha oito anos e na sua curta existência, já estava cansado e sem graça de tanto ouvir o seu Manuel do mercado lhe chamar de “cabelo de fogo”, quando passava para ir à aula ou para brincar na pracinha da cidade.

Na escola ninguém falava, mas ele sabia que o José da Da. Mariquinha, e o Serginho do Sr. Maneco olhavam para ele de uma forma muito estranha. Sim, ele já sabia de cor e salteado que era “ruivo”, de cabelo vermelho acobreado e pele branquíssima. Por que será que não lhe deixavam em paz? Por que tivera que nascer assim, com esse cabelo e com essa cor, chamando a atenção de todos? Por que não era igual a todos?

Naquela segunda-feira fora demais! Passou com vários colegas e seu Manuel gritou : “já vai cabelo de fogo?” O grupo de colegas começou a gritar em coro: “cabelo de fogo, cabelo de fogo!”Naquele dia não teve coragem de ir ao colégio. Passou pela pracinha, sentou em um banco e ficou a se maldizer de sua vida. Sua vida não prestava... que futuro teria com aquele cabelo? Não suportaria viver assim... Nesse momento passava por ali uma velha senhora recolhendo papelões, latas, carregando mil quinquilharias. Ouviu as queixas de Paulinho e se aproximou perguntando: O que tens meu pobre garoto? De que te queixas tanto? E ele respondeu: Da vida, do mundo e da natureza. Por que fui nascer com esse cabelo tão diferente? Por que não sou igual a todos?

A velha senhora então perguntou: Se você fosse igual a todos seria feliz? Paulo respondeu: Sim, viveria feliz por toda minha vida. Então, disse a senhora perto de seu ouvido, vou lhe ensinar uma mágica antiga que eu aprendi. Mas tem um pequeno problema... Uma vez feita a mágica não pode voltar atrás. Paulinho disse que não tinha importância, a única coisa importante de sua vida era ser igual aos outros.

Neste caso, disse a velha senhora, volte à sua casa e vista a roupa que você mais gosta. Nesse momento pense de forma concentrada que quer ser igual a todos. No final do dia troque a roupa e verá que seu sonho foi realizado.

Paulinho voltou correndo para casa, abriu seu armário e retirou um conjunto de malha azul, que sua mãe havia lhe dado, e que era a roupa que ele mais gostava. Vestiu-se sem perder um minuto, pensando intensamente que queria ser igual a todos.

Passou o resto do dia contente, pensando que enfim iam se acabar os dias de apelidos e implicâncias. Chegou o final do dia e finalmente foi trocar a roupa. Começou a tirar a blusa e não observou nenhuma mudança. Já decepcionado começou a tirar a calça, quando de repente percebeu surpreso que seu corpo estava ficando azul. Sim, azul , da cor do seu conjunto de malha!

Correu para o espelho e agora estava todo azul: o cabelo e todo o corpo. Olhou ao redor e tudo começou a ficar azul. Estava vivendo em um mundo azul, onde tudo era igual como ele queria, porque tudo era azul.

Entrou no banheiro para se lavar e a água era azul. Procurou comida na geladeira e a comida também estava azul. Saiu para a rua e as pessoas todas estavam azuis, e também a praça , a escola, os colegas. O mundo estava de uma só cor, e da mesma cor do seu cabelo. Agora queria ver a cara do Sr. Manuel do mercado. Não poderia mais lhe chamar de “cabelo de fogo”.

Mas, aos poucos começou a perceber que tudo era estranho. Nada mudava, tudo era sempre azul. Começou a sentir falta do verde do jardim que rodeava sua casa, dos cravos e dálias coloridos, onde pousavam borboletas multicolores. Na mesa, lembrava-se da alface, da cenoura e beterraba colorindo a mesa, e do suco e sorvete de cajá amarelos... E deliciosos.

Lembrava como era bonito o cabelo de Chiquinha, sua prima, loiro brilhando ao sol, a pele morena de Pedro quase marrom escura, os cabelos negros de Angélica, sua colega, que tinha uma pele tão branca, os olhos azuis de Eduardo e a pele morena clara, quase amarelada, de Joana. Agora, de repente, ele estava percebendo: Todos eram diferentes! Com cabelos, olhos e peles de cores variadas. Ninguém era igual. Uma coisa era certa, de qualquer forma nem o Sr. Manuel do mercado, nem seus colegas lhe chamariam mais de “cabelo de fogo”.

No dia seguinte, foi contente à escola. Passou pelo mercado e tudo era azul. Não viu o Sr. Manuel, e só para testar passeou pelo mercado para ver se se encontrava, por acaso, com ele. Já saindo para a rua sem esperança de encontrá-lo, ouviu de repente alguém dizer: “Já vai cara de bolacha?” E essa agora... O sr . Manuel já havia encontrado um novo apelido para ele. E ele que achava que seu único problema era o cabelo.

Chegando à escola, onde tudo e todos estavam azuis, teve outra surpresa. O josé da Da. Mariquinha e o Serginho do Sr. Maneco continuavam olhando para ele caçoando. Com o cabelo azul, igual ao de todo mundo, qual era seu problema agora? Resolveu, então, perguntar para eles por que eles sempre olhavam daquela forma para ele? Eles riram e responderam: Sempre que você chega na escola, vem fazendo caretas. E mais essa que ele não tinha percebido! Pensava que era pelo cabelo vermelho.

Começou a pensar que o mundo e as pessoas eram diferentes do que ele percebia antes de ficar azul. Na verdade não existia nada igual, e todas as pessoas eram diferentes entre si. O Sr. Manuel do mercado gostava mesmo era de apelidar as pessoas, e quando encontrava alguém que não gostava disso, aí mesmo era que insultava.

E agora? Continuava sendo insultado pelo Sr. Manuel, sendo caçoado pelos colegas, e além disso, azul. A vida era mesmo uma desgraça. Precisava deixar de ser azul, ver o mundo com todas as cores. O mundo era muito chato de uma cor só.

Voltou à praça para procurar a velha senhora. Encontrou-a catando caixas e papéis. Ao vê-lo de longe foi dizendo: Olá, meu menino, o que aconteceu desta vez? E ele respondeu: Aconteceu que eu fiz a mágica que a senhora me ensinou e o mundo ficou todo azul e eu também. O mundo todo está da mesma cor, mas eu continuo com os mesmos problemas. Por isso eu quero agora deixar de ser azul.

A velha senhora meneou a cabeça e disse: “Infelizmente, meu filho, eu não posso fazer nada. Eu lhe disse que a mágica não tinha volta. E, além disso, o mundo não está azul, você é que o está vendo todo azul, sem cores e matizes, porque queria que todas as coisas fossem iguais. Com meus papéis, latas e papelões eu vejo o mundo cheio de cores e bonito. Não há vida ruim. Há vida sem cores, sem sonhos e sem futuro quando nós não nos aceitamos como somos e não gostamos de nós mesmos. Eu não posso fazer nada por você, mas você pode.

Paulinho já aflito perguntou: “E o que eu posso fazer para deixar de ser azul?” E ela respondeu: “Você só deixará de ser azul quando começar a gostar de sua própria cor e de seu cabelo vermelho.” Paulinho baixou a cabeça e saiu triste. Pensou que essa era uma tarefa difícil.

Em casa, de tanto pensar adormeceu. E teve um sonho revelador. Seu cabelo vermelho era grande e luminoso como uma cauda de cometa, e seu corpo branco e tênue como a neblina. Sua imagem no sonho era luminosa e bela, e as pessoas olhavam admiradas. Todos lhe admiravam porque lhe achavam uma pessoa diferente e bela.

Acordou assustado com a revelação. Era verdade, muitas pessoas lhe olhavam porque lhe admiravam, porque era diferente, e só agora descobria, também, porque era bonito. E muitos o insultavam porque não conseguiam ser tão bonito e diferente como ele. A beleza, ele agora também tinha descoberto, estava também na diferença.

Pela primeira vez foi para a frente do espelho para admirar seu cabelo vermelho. E enquanto ele se admirava percebeu que não era mais um menino azul.



Para

Plínio Filho

O menino que vestiu um conjunto de malha azul e ficou azul na Sexta-Feira Santa de 1993.

Verônica Miranda

Sábado de Aleluia, 1993.


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Este conto eu fiz em 1993 para meu sobrinho Plínio Filho, em uma temporada em que estava em Viçosa do Ceará e na Serra da Ibiapaba, realizando alguns projetos associativos para pequenos produtores. Ele ainda era criança, no tempo da inocência. Reencontrei em meus arquivos e o recoloco aqui porque sua leitura pode servir para outras crianças. Ele foi inspirado em um fato que ocorreu realmente com ele. Ele vestiu um conjunto de malha azul na sexta-feira santa e a tinta do tecido começou a passar para sua pele muito alva. Quando vimos ele estava com o corpo todo azul e teve que tomar um banho com escova para a tinta sair. Todos rimos muito do ocorrido e acabou saindo este conto que lhe dediquei na época.


Verônica Maria Mapurunga de Miranda - Sábado de Aleluia,1993 e 15.10.2022

 


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