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Contando um Conto


Viver

Quando resolveu juntar os trapos com seu amor não pensou em casamento. Atraía-lhe a idéia de ser livre para amar, sem o compromisso assinado no livro de assento. Sem burocracias, testemunhas e apadrinhamentos. Ninguém se dirigiria a ela como a esposa do “seu” fulano.Tinha nome e objetivos de vida. Bastavam-lhe. Não era mulher pra ser levada e trazida, ia porque queria, sobre as próprias pernas. Mais que isso só queria ter amor com gosto, cumplicidade, respeito e liberdade. Amo porque te amo diria o poeta.

 Quis tudo isso e teve, pagando o preço.Entremeadas com as ardentes horas e doces momentos de um amor livre vieram também as denominações. Ninguém a chamava de esposa do seu fulano, mas começaram a chamá-la de “noiva” do seu fulano.Os mais próximos perguntavam: quando vão casar? Evitava-se a denominação “companheira”. Soava mal, lembrava que não era casada.Melhor ficar no pré já que o nupcial não tinha existido. Aqui e ali uma justificativa de alguém para o casamento não realizado: “Ela não casou por tais e quais problemas, é uma moça direita, de respeito!”.

 Além dos bastidores ela vivia. Livre para ser e amar, um amor sem denominações, cada dia um novo dia. Sem correntes que se arrastam nas relações duradouras de cartório, sem a ilusão do contrato. Aos poucos, e ainda que tentasse esclarecer que não era casada, começaram a lhe tratar como “mulher de” e o companheiro como “marido de”.Uma aceitação tácita da consagração do tempo? Muitos anos já passaram e esqueceram, ou não faziam esforço de memória para lembrar o que deveria ser esquecido? Principal esquecimento: era livre. Para viver não dependia de amor cartorial.Não dava satisfação de dignidade. Possuía-a sem necessidade de registro

 As denominações foram incorporadas. Ser chamada de “companheira de” ou “esposa de” já não tinha importância. A cumplicidade de um amor alegre, as roupas entrelaçadas no armário, a superação das dificuldades do dia-a-dia, os pés se tocando juntinhos no sono, uma ardência de amor maduro e generoso, a satisfação de crescer com outra pessoa sendo ela mesma, livre, independente do contexto e circunstância. Contente e feliz com seu amor livre vivia...

 E assim teria terminado essa estória, caros leitores que lêem sobre esse amor de um tempo indefinido e circunstâncias comuns, se alguém contra toda a lógica do desenvolvimento desse conto, e por motivos quem sabe cartoriais, ou outros íntimos e desconhecidos, não tivesse registrado isso em um livro.Algo que muitos gostariam de esquecer, mas que trazia uma verdade irrefutável e profunda estava na frase escrita em uma página qualquer, que me fez relembrar essa estória: “(Ela), nascida em 1948 VIVE desde 1964 com fulano de tal..."

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Viver significa estar além de um registro, apesar de que alguns registros denunciam uma verdade profunda.

Verônica Maria Mapurunga de Miranda - 11/10/ 2001


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