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10- REVERÊNCIA (VEJA ARQUIVOS) |
Pensava em escrever algo para o aniversário de Jung (26 de julho), data que significa mais um motivo para expor aquilo que ele trouxe como um conhecimento necessário, neste século de muitas transformações e sobressaltos. Século também de muita perplexidade, porque toda a coletividade e não somente alguns seres humanos estão na perspectiva da mudança histórica, evolutiva e planetária. Sim, Jung já pensava em termos de planeta, e é certo que fazemos isso a partir de determinado nível de consciência. Mas, também, é fato que as relações globais e em vários sentidos já começaram a se fazer e as pessoas já começam a falar com naturalidade de planeta e a se sentir parte dele como destino comum e cósmico. Mas ao pegar a pena eletrônica para escrever, uma palavra somente me veio com insistência : REVERÊNCIA. E fui aos poucos percebendo a importância desse conceito em todo o trabalho de Jung e em seu próprio processo de individuação, em que nos miramos como arquétipo, e que é absolutamente necessário quando pensamos em termos de conhecimento e de ampliação da consciência. Em seu longo trabalho e nas várias fases porque passou ele foi se desnudando cada vez mais de todos os conceitos e "paredes" dos condicionamentos de mais de 1000 anos da constituição de uma civilização ocidental moderna, para poder fazer jus à simplicidade e reconhecimento daquilo que parecia grande ou pequeno, mas que era somente parte do grande banquete da vida e de sua própria contribuição à ela. E em todas essas fases teve que enfrentar-se com todo tipo de preconceitos dele mesmo e dos demais, tentando fazer ciência ao mesmo tempo em que ampliava o leque dos conhecimentos necessários e que eram parte da expansão da consciência. É importante entender que algumas contribuições importantes e definitivas para a humanidade e sua evolução só foram possíveis com a transformação substancial dos próprios indivíduos que as trouxeram e trazem, as portam e as anunciam. E a assimilação desse conhecimento é muitas vezes lenta e gradual. Enquanto isso não acontece é necessário têmpera e reconhecimento de seu valor próprio para não soçobrar diante das exigências externas e das internas, quando ainda não foi possível entender completamente o significado do seu trabalho e contribuição. A psicologia do inconsciente, colocando o inconsciente como matriz geradora da psique humana nos levou a terrenos bem desconhecidos e misteriosos, que requeria a criação de um novo espaço de consenso da psique, e que nos levaria a uma ampliação da consciência. Tudo isso acontecendo em processos naturais do próprio indivíduo que necessitava sair de sua unilateralidade causada pela vida moderna. E isso no ser humano moderno gerou conseqüentemente uma nova cultura e novos conhecimentos. Uma das coisas admiráveis no trabalho de Jung, em um mundo dividido em ocidental e oriental, com o não reconhecimento das ancestralidades, com visões e cosmovisões tão diversas, foi sua capacidade de ir em direção à compreensão dessa diversidade e sua intuição profunda de que tínhamos que estabelecer relações nas várias direções da consciência e no sentido de buscar uma inteireza, para podermos entender e sentir o todo que nos constituía e que era parte das mudanças necessárias em nível planetário e cósmico. Aion, Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo é um livro de Jung que trata dessa passagem de éon, para uma mudança de consciência e superação da dualidade, em que aborda o resgate da consciência crística, como uma totalidade, que anuncia a mudança e expansão de consciência. E nesse livro é possível verificar esse processo, bem como é possível para aquelas pessoas, que estão nesse processo crítico e crístico de passagem e transformação, poderem se espelhar. A abordagem que é crítica do dualismo e da doutrina teológica Privatio Boni e ao mesmo tempo é a compreensão da totalidade da psique, do arquétipo do Si-Mesmo, teve que se fundamentar em todo o lado não visto e não aceito por uma e outra parte, de várias tradições espirituais e arquetípicas do planeta, vistas na atualidade e historicamente, aceitando-as e sendo reverente a tudo aquilo que nos constitui e que somos. Só temos um Si - Mesmo (ou a totalidade ) quando somos capazes de aceitar todas as partes, das grandes às pequenas, de luz e sombra e dos opostos, que o próprio conceito de totalidade encerra. Em si mesmo, é um processo infinito, mas algumas qualidades centrais do individuo (que ele chama qualidades paternas), que outros poderiam chamar partículas divinas, serão atraídas como um magneto e formarão esse centro energético. Hoje, temos ampliação e várias derivações sobre o conceito de Si - Mesmo ou SELF. Mas todos eles encerram a palavra REVERENCIA àquilo que é maior em nós mesmos, que nos incita a estar sobre as diferenças que nos compõem e nos chama a reconhecer tudo aquilo que nos constitui e que contribui para o que fazemos, para o que vivemos. Jung teve essa reverência com tudo aquilo que parecia diferente, estranho, estrangeiro, esotérico, fora das crenças e religiões, fora dos hábitos e condicionamentos, que era considerado o mal, distante, mas que fazia parte da constituição de uma mesma espécie, de uma mesma humanidade e que estava profundamente em nosso inconsciente e no inconsciente coletivo, que nos levava a um destino comum e suprapessoal como humanidade . Hoje, com o advento da psicologia transpessoal, da física e ciência quântica, das relações globais e planetárias cada vez mais próximas, em um nível de comunicação já em nova dimensão, é possível entender melhor todos os seus enunciados, porque já se fazem como experiência em muitos indivíduos. Mas, enfrentar em sua vida pessoal, em suas relações, na época em que iniciou suas atividades nesse sentido e tudo o que significou assumir cada enunciado desses, perante as exigências de uma ciência positivista, foi bastante difícil. Nos seus livros autobiográficos, como as Cartas, Memórias, Sonhos e Reflexões e ultimamente o Livro Vermelho podemos perceber isso. Uma de suas filhas fala em um vídeo, sobre a vida de Jung, que muitos vizinhos e antigos amigos, em uma dada fase de sua vida, viravam-lhe o rosto quando ele passava, por lhe considerarem esotérico, em um mundo em que a maioria de sua relações eram cristãs, e por não aceitarem os seus questionamentos. E, de fato, a consciência crística nunca foi tão bem resgatada, como ele o fez, para os tempos atuais e vindouros, tempos que anunciam uma nova consciência. A outra fase difícil, e que ainda é mal entendida por quem vive os processos de individuação e trabalha mais profundamente Jung, é sua fase de estudos alquímicos, já nas últimas décadas de sua vida, que possibilitou uma compreensão maior de seu processo de individuação e trouxe contribuições notáveis para a própria psicologia do inconsciente. No entanto, e apesar de expressivos e notáveis junguianos e pós-junguianos terem se debruçado sobre essa matéria e utilizado-a largamente em suas atividades profissionais¹, a alquimia como um processo psicológico ainda é mal vista, inclusive em alguns meios junguianos e acadêmicos. Porque considerados assuntos místicos ou esotéricos, como a ciência clássica costuma tratar preconceituosamente determinados conhecimentos. Alguns científicos de outras áreas, chamam à moda da Idade Média, de bruxarias e esoterismo todo o conhecimento que hoje está sendo resgatado com a emergência da natureza e todas as implicações que isso traz, mesmo utilizando esses conhecimentos como base de suas atividades. Não podemos esquecer que a ciência moderna surge a partir dos conhecimentos da alquimia. E sabemos, que de forma oculta, não declarada, vários científicos modernos, dentre eles Isaac Newton e até mesmo Einstein, dentre outros, foram alquimistas. Nenhum grande científico ou filósofo que contribuiu na esfera do conhecimento tornou isso possível sem transformar-se e sem recorrer à espiritualidade, de alguma forma. O conhecimento novo e que leva o indivíduo às regiões fronteiriças do conhecimento e de suas psiques requer ampliação da consciência. E a ciência moderna e clássica não dá conta disso. Como dizem os textos alquímicos, não é possível transformar chumbo em ouro, sem antes o próprio alquimista transformar-se em ouro. No livro 3 de Mysterium Coniunctionis, de Jung no capitulo IV, intitulado Será Tomás de Aquino o autor de "Aurora Consurgens?", ele discorre sobre a possibilidade do famoso livro alquímico atribuído ao teólogo e santo da Igreja católica Tomás de Aquino ser realmente dele. Sem uma conclusão definitiva sobre isso, Jung mostra, no entanto, eventos, estudos e atividades ocultistas, relacionadas à alquimia, que o mesmo teria realizado e participado. É nesse sentido que Jung busca retirar esse véu e mostrar de forma categórica nos estudos alquímicos a necessidade da integração da natureza, a partir do microcosmo que somos todos nós. Vivenciar a natureza é, pois, uma necessidade vital de transformação da consciência ocidental moderna que requer incorporar conhecimentos que já existiam em outras épocas passadas, mostrando que o desenvolvimento da consciência não é linear, assim como a história também não o é. O processo de individuação em seu aprofundamento desvela o ser natural e cósmico que somos e quem trabalhou e vivenciou esses processos naturais e de natureza no ocidente foram os alquimistas e as mulheres consideradas "bruxas" na Idade Média, bem como as culturas ancestrais, das quais temos ainda muitos remanescentes. Ser reverente com o conhecimento que transforma e amplia a consciência é ser também capaz de questionar as crenças, preconceitos e dogmas de religiões e da ciência moderna, que resistem à essas mudanças e que possuem ainda uma visão e perspectiva unilaterais da consciência. Estamos em época de transformações claras e urgentes e isso necessita ser enfrentado. Não por acaso a própria Igreja católica promulgou uma encíclica Laudato si, tentando incorporar a natureza e a ecologia . E por isso, lembrando dos caminhos abertos, da coragem para enfrentar aquilo que era novo, reverenciando todo o conhecimento que fazia parte da composição do todo, Jung merece nossa especial REVERÊNCIA. Veronica Maria Mapurunga de Miranda -26. 07. 2020 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 1- Notadamente Marie Louise Von Franz e James Hillman, para citar os mais conhecidos, têm vários livros sobre a temática. ------------------------------------------------------------------------------------- Bibliografia básica sobre Alquimia em jung: 1 - Jung Carl Gustav - Aion - Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis, RJ: Vozes, 5ª edição, 1998. 2- Jung , Carl Gustav - Psicologia e Alquimia- Petrópolis, RJ: Vozes, 1990. 3- Jung, Carl Gustav - Estudos Alquímicos - Petrópolis, RJ:Vozes, 2003 4- Jung, Carl Gustav - Mysterium coniunctionis - Obra completa de C.G. Jung com a colaboração de Marie Louise von Franz - Vol 14/ 1, 2, 3 - 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2011. |
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Fotomontagem por Verônica Maria Mapurunga de Miranda |
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